É muita sorte nossa que ainda existe arte, filmes, cinema. Graças a isso, não precisamos falar sempre sobre os mesmos assuntos: o mais novo aumento da gasolina ou do gás de cozinha, a inflação dos alimentos e o coronavírus, etc. Podemos ficar discutindo os pontos positivos e negativos da série do momento (agora é a Round 6), ou se vale a pena ver Duna (ainda não vi). Ainda bem. Do contrário, quem aguentaria?
A vida é uma empreitada complexa e às vezes difícil, que exige doses de imaginação e escapismo para ser encarada; o “realismo” nunca foi suficiente. Em um livro fascinante chamado Vida – o filme, o jornalista norte-americano Neal Gabler diz que o cinema veio fornecer um modelo de coerência narrativa em um mundo de caos aparente. Ou seja, a realidade é confusa, mas a ficção sempre faz algum sentido. Em outros tempos, essa tarefa de “criar sentido” – um enredo – coube exclusivamente à religião, depois às ideologias políticas. Essas narrativas ainda são influentes, mas perderam parte da força de persuasão diante do entretenimento.
O poder da fantasia foi bem representado no filme A Rosa Púrpura do Cairo, de Woody Allen, lançado em 1985. Em 1930, durante a Grande Depressão nos EUA, uma garçonete enfrenta problemas financeiros e tem de sustentar um marido desempregado, alcoólatra e agressivo. O único refúgio dela é em uma sala de cinema, onde fica horas revendo o mesmo filme de aventuras. Um dia, o herói da história simplesmente sai da tela e se declara apaixonado pela moça. “Você está do lado errado da tela!”, ele avisa.
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No filme italiano Belíssima, de Luchino Visconti, ocorre o inverso: o esforço de pessoas comuns para entrarem no mundo de sonhos da ficção, no “lado certo” da tela. Uma mulher faz de tudo para transformar a filha pequena em estrela de cinema, e assim afastá-la da pobreza na qual vive. A criança não demonstra talento especial para nada, mas a mãe não desiste. Lançado em 1951, Belíssima parece mais atual hoje do que quando foi feito. É possível falar em alienação, mas também em algo mais nobre: o desejo básico de ter uma vida melhor.
Como dizia o poeta Ferreira Gullar, “a arte existe porque a vida não basta”. E temos muita sorte por ela existir.
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