Se soubéssemos antes que tantas pessoas sabiam tanto sobre como evitar a tragédia que se abateu sobre nós, estariam todas as casas preservadas, todas as vidas pulsando, todas as esperanças em pé. E se soubéssemos antes, como sabemos agora, quem eram ou seriam os culpados, nada dessa tristeza teria se aninhado entre nós. É claro que houve falhas, descuidos, irresponsabilidades, mas não me sinto à vontade de também não assumir a minha culpa. Não quero ser mais um juiz que venha a proferir sentenças definitivas nas redes sociais.

A enchente revelou mais uma vez a grandeza e a miséria humanas, ensinou com dor lições para uma história inesquecível. A grandeza tinha mãos, braços, olhares, afetos sem dimensão de milhares de pessoas que, sem medir ou pesar um único gesto, abraçaram quem perdeu não apenas a casa ou os bens materiais, mas perdeu também as mais doces recordações, que davam sentido à vida. Por mais humilde que tenha sido a casa destroçada, ainda assim abrigava a justa alegria de viver. A grande onda de solidariedade trouxe certamente um pouco de consolo e paz a quem subitamente se viu debatendo nas águas turvas tentando preservar ao menos a vida.

LEIA TAMBÉM: De filetes a torrentes devastadoras

Publicidade

Pessoas humildes, profissionais de ponta, empresários, jovens estudantes, muitos também com o pranto contido, estavam lá, embalando comida, sortindo roupas, ouvindo lamentos, consolando os desamparados. Com gestos humildes, anônimos, ou com pequenos atos heroicos, inúmeros seres humanos revelaram que é possível uma convivência mais fraterna, mais amorosa, independente de raça, de cor, de religião ou de partido. Os ofendidos de ontem não titubearam, lotaram carretas de bondade, atravessaram o país e depositaram aqui um pouco de sua generosidade.

Nesses episódios dramáticos, uma dor que não me cessa é ver pessoas surfando no momento para tirar proveito. Isso dá uma desesperança. Quando vejo seres humanos se valendo de todas as fragilidades a que os outros ficaram expostos, subtraindo-lhes os raros bens sobreviventes, multiplicando as suas dores, aumentando inescrupulosamente preços, furtando ou roubando sem o menor constrangimento, criando ou espalhando mentiras, cinicamente promovendo o ódio e a discórdia, fico sempre pensando: o que esperar de seres humanos assim? Eu sei, são poucos, se comparados aos que fazem o bem, mas essas atitudes verdadeiramente demoníacas machucam demais.

LEIA TAMBÉM: Começa a festa do livro

Publicidade

São tantos os gestos de solidariedade. No calor da hora, milhares de pessoas desinteressadas acorrem, deixam seus lares, seus empregos, seu conforto para, generosas, colocar seu amor a serviço da vida alheia. Chega um momento, porém, em que também elas precisam retomar sua rotina, cuidar de sua própria existência. Hora de os flagelados retornarem a seus espaços, se ainda existirem.

Penso estar aí o momento mais sofrido, mais carente de soluções concretas e definitivas. Há localidades e bairros inteiros suprimidos. Não há casa para voltar, nem oficina para trabalhar, nem loja para vender ou comprar, nem escola para estudar. Momento de ir além de marmitas e cobertores, de proporcionar novos caminhos, mesmo para aqueles que relutam em compreender que é preciso mudar. E nem adianta os governos descarregarem caminhões de dinheiro se não houver ações orientadas para proporcionar um futuro mais viável, mais inteligente e mais racional. Insistir em voltar aos espaços que certamente serão invadidos de novo, é não querer mudar. O custo é alto, mas é o que nos resta.

LEIA MAIS TEXTOS DE ELENOR SCHNEIDER

Publicidade

Chegou a newsletter do Gaz! 🤩 Tudo que você precisa saber direto no seu e-mail. Conteúdo exclusivo e confiável sobre Santa Cruz e região. É gratuito. Inscreva-se agora no link » cutt.ly/newsletter-do-Gaz 💙

Guilherme Andriolo

Nascido em 2005 em Santa Cruz do Sul, ingressou como estagiário no Portal Gaz logo no primeiro semestre de faculdade e desde então auxilia na produção de conteúdos multimídia.

Share
Published by
Guilherme Andriolo

This website uses cookies.