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ELENOR SCHNEIDER

A vida e suas lições

Se soubéssemos antes que tantas pessoas sabiam tanto sobre como evitar a tragédia que se abateu sobre nós, estariam todas as casas preservadas, todas as vidas pulsando, todas as esperanças em pé. E se soubéssemos antes, como sabemos agora, quem eram ou seriam os culpados, nada dessa tristeza teria se aninhado entre nós. É claro que houve falhas, descuidos, irresponsabilidades, mas não me sinto à vontade de também não assumir a minha culpa. Não quero ser mais um juiz que venha a proferir sentenças definitivas nas redes sociais.

A enchente revelou mais uma vez a grandeza e a miséria humanas, ensinou com dor lições para uma história inesquecível. A grandeza tinha mãos, braços, olhares, afetos sem dimensão de milhares de pessoas que, sem medir ou pesar um único gesto, abraçaram quem perdeu não apenas a casa ou os bens materiais, mas perdeu também as mais doces recordações, que davam sentido à vida. Por mais humilde que tenha sido a casa destroçada, ainda assim abrigava a justa alegria de viver. A grande onda de solidariedade trouxe certamente um pouco de consolo e paz a quem subitamente se viu debatendo nas águas turvas tentando preservar ao menos a vida.

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Pessoas humildes, profissionais de ponta, empresários, jovens estudantes, muitos também com o pranto contido, estavam lá, embalando comida, sortindo roupas, ouvindo lamentos, consolando os desamparados. Com gestos humildes, anônimos, ou com pequenos atos heroicos, inúmeros seres humanos revelaram que é possível uma convivência mais fraterna, mais amorosa, independente de raça, de cor, de religião ou de partido. Os ofendidos de ontem não titubearam, lotaram carretas de bondade, atravessaram o país e depositaram aqui um pouco de sua generosidade.

Nesses episódios dramáticos, uma dor que não me cessa é ver pessoas surfando no momento para tirar proveito. Isso dá uma desesperança. Quando vejo seres humanos se valendo de todas as fragilidades a que os outros ficaram expostos, subtraindo-lhes os raros bens sobreviventes, multiplicando as suas dores, aumentando inescrupulosamente preços, furtando ou roubando sem o menor constrangimento, criando ou espalhando mentiras, cinicamente promovendo o ódio e a discórdia, fico sempre pensando: o que esperar de seres humanos assim? Eu sei, são poucos, se comparados aos que fazem o bem, mas essas atitudes verdadeiramente demoníacas machucam demais.

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São tantos os gestos de solidariedade. No calor da hora, milhares de pessoas desinteressadas acorrem, deixam seus lares, seus empregos, seu conforto para, generosas, colocar seu amor a serviço da vida alheia. Chega um momento, porém, em que também elas precisam retomar sua rotina, cuidar de sua própria existência. Hora de os flagelados retornarem a seus espaços, se ainda existirem.

Penso estar aí o momento mais sofrido, mais carente de soluções concretas e definitivas. Há localidades e bairros inteiros suprimidos. Não há casa para voltar, nem oficina para trabalhar, nem loja para vender ou comprar, nem escola para estudar. Momento de ir além de marmitas e cobertores, de proporcionar novos caminhos, mesmo para aqueles que relutam em compreender que é preciso mudar. E nem adianta os governos descarregarem caminhões de dinheiro se não houver ações orientadas para proporcionar um futuro mais viável, mais inteligente e mais racional. Insistir em voltar aos espaços que certamente serão invadidos de novo, é não querer mudar. O custo é alto, mas é o que nos resta.

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