Faz quase 20 anos que assisti, pela primeira vez, a um filme chamado A Outra História Americana. Há poucos dias, decidi revê-lo. E pude me certificar de duas coisas: uma boa, outra nem tanto. A boa é que realmente se trata de um grande, excepcional filme. A outra, menos animadora: ele é mais atual hoje do que há 20 anos. Em tempos de radicalização política cada vez mais extrema, deixou de ser uma “história americana” para se reproduzir, com frequência e de diferentes modos, em muitos outros países. Aqui também. E do que se trata? Basicamente, da força destruidora do que se costuma chamar (às vezes, de forma um tanto gratuita) de “discurso de ódio” e de como pode arruinar vidas – principalmente as de quem odeia.
Derek Vinyard é um líder neonazista, um skinhead de suástica tatuada no peito que arrebata seguidores com seu discurso furioso contra imigrantes mexicanos, asiáticos, e também negros, judeus e quaisquer outros que “tiram empregos” dos americanos legítimos ou, pior ainda, vivem como “parasitas da previdência social”. Apesar de não se entender com a mãe, ele é uma espécie de ídolo para o irmão caçula, Danny, que começa a seguir seus passos. O grupo de Derek, formado sobretudo por adolescentes, logo parte das palavras para a ação – o que inclui atacar e espancar imigrantes ilegais, invadir mercados de proprietários mexicanos e coisas do gênero.
Uma noite, porém, Derek vai longe demais. Ele acaba matando um negro em plena rua, com quem já havia “se estranhado” uns dias antes. Preso em flagrante, é condenado por homicídio qualificado e vai parar na cadeia (com sorte de escapar da pena capital). No presídio, sua visão de mundo vai entrar em choque com a realidade e mudar. Isso pode parecer um enredo clichê de queda e redenção, mas não é. Depois de solto, Derek reencontrará a família e terá de convencer o irmão, cada vez mais envolvido com os nazistas, a abandonar tudo aquilo. Não vai ser fácil: afinal, como lhe diz uma ex-namorada skin, “agora somos dez vezes mais e muito melhor organizados”. O desfecho não será heroico.
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Duas décadas depois, é possível perceber fora das telas de cinema: os radicais de A Outra História Americana são, sim, “dez vezes mais e mais organizados”, e não só nos Estados Unidos. Também não precisam ostentar suásticas: são muitas as faces da intolerância. Têm em comum a necessidade de descarregar em um “inimigo” devidamente marcado, inserido numa grande narrativa simplória, a culpa por todos os golpes e frustrações da vida. Alguns fazem isso, hoje em dia, teclando em celulares e computadores. O problema é que a vida, como Derek Vinyard vai constatar, amargo, “é curta demais para se viver sempre com raiva”. E para acreditar em “mudar o mundo” com base na raiva. Filmaço.
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