Tenho pena do venezuelano que fugiu de seu país porque lá prendem jornalista e deputado. Aqui o refugiado encontra isso de novo, inclusive um Legislativo que endossa atos assim. E agora deputados fingem que a culpa é da Constituição e falam em aperfeiçoar o artigo 53 (os deputados e senadores são invioláveis, civil e penalmente, por suas opiniões, palavras e votos), para que não sejam os próximos a serem presos por palavras. Não creio que o artigo precise de alguma mudança. Está muito claro, na Constituição Cidadã, ao alcance de qualquer alfabetizado para ler e entender.

A sessão da Câmara na sexta-feira começou errada. A relatora encaminhou a votação como se estivesse julgando o conteúdo desrespeitoso da fala do deputado Daniel. O conteúdo vai ser julgado pela Comissão de Ética e Decoro. O plenário estava reunido para julgar a legalidade da prisão do deputado. E 364 deputados, aos aprovarem a prisão, negaram o que está no art. 53 da Constituição. Essa imunidade é tão importante que permanece até no estado de sítio. Ainda assim, os 364 abriram mão, unilateralmente, de sua inviolabilidade por opiniões, palavras e votos, que não é deles, mas dos eleitores que representam.

Ao mesmo tempo, negaram o inciso XI do artigo 5º, que é cláusula pétrea. Para 364 deputados, a casa deixa de ser o asilo inviolável do indivíduo. A polícia entrou às 23 horas na residência do deputado. Portanto, pode entrar também na nossa casa, portando o recém-inventado paradoxal “mandado de prisão em flagrante”. Os 364 concordaram que pode haver um flagrante enquanto as palavras prescritas estiverem nas redes sociais.

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Os 364 negaram mais uma alínea da cláusula pétrea, a XLIV, que estabelece como crime inafiançável a ação de grupo armado contra a ordem democrática. Concordaram, pois, que a palavra é arma, para justificar prisão em flagrante, negando, junto com o art. 53, o art. 220, pelo qual a manifestação do pensamento, sob qualquer forma, não sofrerá qualquer restrição – embora exista um jornalista preso por isso. Por fim, os 364 negaram o art. 127 da Constituição, concordando que um inquérito não precisa de Ministério Público e que o próprio ofendido pode investigar, denunciar e julgar o ofensor. Enfim, os 364 deputados concordaram com os 11 juízes do Supremo – e podem preocupar refugiados venezuelanos. 

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