A ideia de viver em um mundo melhor do que este, sem guerras, miséria e injustiças intoleráveis, estimula a imaginação das pessoas há séculos. Quem nunca, em algum momento, projetou um futuro perfeito? Costumamos chamar esse lugar ideal e feliz – que nunca existiu – de “utopia”, termo cunhado pelo britânico Thomas More no livro que publicou em 1516.
More descreve a ilha de Utopia, terra de uma sociedade que ele considera irretocável, harmoniosa e justa. Os habitantes vivem em “54 cidades espaçosas e magníficas”, onde a linguagem, as leis e os hábitos são perfeitamente idênticos. E, segundo o autor, ninguém vê problemas nisso.
Se a utopia concretiza as melhores potencialidades da civilização, a distopia é o contrário, a antítese: um mundo de pesadelo, onde todos os temores sociais viram realidade e são levados às últimas consequências. Sociedades distópicas são representadas na literatura em livros como 1984, O conto da aia, Fahrenheit 451 e outros. Em geral, um poder central onipotente mantém controle total sobre os cidadãos, e toda divergência é punida com prisão ou até morte. Mas e se a utopia de alguém for apenas a distopia do outro?
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Voltemos a Thomas More. Nas descrições que faz de sua ilha da fantasia, ele ressalta que “as roupas têm a mesma forma para todos os habitantes”. Não sei vocês, mas eu detestaria viver num lugar assim. Além disso, “todos os escravos são submetidos a um trabalho contínuo, e trazem correntes”. Os escravos, certamente, não diriam que essa é uma sociedade perfeita. Questão de ponto de vista. Para os militantes do Talibã, o Emirado Islâmico que desejam criar no Afeganistão é um passo decisivo na construção da sua utopia, um ladrilho a mais na estrada rumo ao paraíso. Para os que não compartilham dessa crença, é o inferno.
Que discurso utópico, hoje, seria capaz de acomodar os diversos interesses em conflito? Talvez só a democracia, sempre um ideal mais do que realidade consumada. Ao mesmo tempo, a democracia não é utópica, pois não tem um modelo fechado de sociedade exemplar; em teoria, todos os modelos cabem no seu horizonte, desde que aceitem regras básicas de convivência. Desde que haja um elemento cada vez mais raro, quase em falta, nas relações políticas e humanas: o diálogo. O diálogo é a nossa última utopia.
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