Aos 91 anos, o ex-senador Pedro Simon – um dos nomes mais importantes da política brasileira – define o atual momento, de pandemia, instabilidade política e conflitos diplomáticos, como “o apogeu de uma crise”. Embora não veja risco de escalada autoritária no Brasil e tampouco de um desequilíbrio geopolítico mais profundo, Simon não tem dúvidas de que o mundo sairá outro deste capítulo de nossa história. “Vai ter que haver o ressurgimento de uma ideia de paz”, diz. Vacinado e isolado em sua casa, em Rainha do Mar, Simon falou por telefone à Gazeta do Sul na quarta-feira e lembrou, em mais de um momento, a coincidência de se tratar do aniversário do golpe militar de 1964. Ainda atento às movimentações do xadrez político, criticou as decisões do Supremo Tribunal Federal que anularam os atos da Operação Lava Jato em relação ao ex-presidente Lula e defendeu o ex-juiz Sérgio Moro. Também fez críticas ao presidente Jair Bolsonaro pela forma como conduziu o enfrentamento da pandemia e pregou que surjam alternativas até a eleição presidencial do ano que vem, para evitar que se repita a polarização de 2018.
ENTREVISTA
Pedro Simon
Ex-senador
Como acompanhou as decisões do STF que levaram o processo do ex-presidente Lula à fase inicial novamente?
Foi tremendamente cruel a decisão do Supremo. Todo esse trabalho que demorou muito tempo para ser feito se perdeu. Ladrão de galinha sempre pega cadeia. Mas em relação a essa grande corrupção, que envolve políticos, empresários, executivos, foi difícil de avançar. E o apogeu disso foi quando a Petrobras foi praticamente implodida. Aí apareceu a Lava Jato, que foi uma coisa extraordinária. E de repente, não mais que de repente, o ministro (Edson) Fachin decidiu que o Foro de Curitiba não é legal e anulou todas as condenações do ex-presidente Lula. A ministra Carmen Lúcia, lamentavelmente, mudou o voto dela. Quer dizer, todo o processo caiu por terra. A Lava Jato foi reduzida a zero. E isso aconteceu agora, que nós estamos em meio a essa pandemia, a política brasileira está um caos, ninguém sabe o que o presidente Bolsonaro quer com essas mudanças que fez nos ministérios. Estamos em uma situação muito difícil.
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O senhor sempre elogiou o ex-juiz Sérgio Moro e agora ele foi declarado parcial na condução do processo contra Lula. Como o senhor vê isso?
Lá no STF tem um ministro, o Gilmar Mendes, que quer transformar o Sérgio Moro em um monstro. É uma coisa fantástica isso. O Moro para mim é uma pessoa extraordinária, que prestou um serviço enorme à nação. Então, na verdade, a Lava Jato está pendurada. Os tribunais vão começar de novo os processos? As provas que foram apresentadas vão ser consideradas? Ou, um a um, os condenados vão sair da cadeia? Isso tudo está na interrogação.
Nessa semana, o ministro da Defesa e os comandantes das Forças Armadas foram substituídos e ouviu-se falar em estado de sítio. O senhor enxerga risco de ruptura democrática?
Vou ser muito sincero. Acho que não. Mas estamos vivendo uma situação estranha. O presidente demite o ministro da Defesa e demite os três comandantes. E nomeia pessoas que ninguém sabe o que vão fazer. Ninguém sabe por que ele demitiu. Aí soltaram uma nota dizendo que as Forças Armadas são instituições de Estado e não são instituições políticas. Então, estamos vivendo uma interrogação. Entraram com um pedido de impeachment, que sabemos que não vai avançar. E estamos falando sobre isso no dia em que foi instalada a ditadura no Brasil.
O senhor, então, não se preocupa com o futuro de nossa democracia?
Estou otimista. Se você ouve o presidente falar, ele diz que é democrata. O Congresso também. Todo mundo está falando numa boa. Não há crise como havia em 1964, quando houve um esquema diabólico para derrubar o presidente da República. Diziam que ele queria dar um golpe de Estado, que queria instalar o comunismo, era uma lavagem cerebral. Hoje as pessoas sabem melhor o que realmente está acontecendo.
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Onde o presidente Bolsonaro está acertando e onde está errando na condução dessa crise?
Ele começou tomando decisões importantes. A primeira foi a escolha do ministro da Economia. A área econômica tinha uma direção, tinha um comando. E deu a pasta da Segurança para o Moro. Eu achei aquilo positivo. Mas aí a economia foi enfrentando problemas e veio a pandemia. O presidente está muito confuso, a gente não sabe o que ele quer e para onde ele vai. Ele diz que não existe corrupção no governo dele, e realmente não há, tirando as confusões dos filhos dele, o governo está andando. Mas ele podia ter saído como grande líder nessa pandemia. Podia ter coordenado, chefiado, mas ele fez essa confusão, brigou com o governo de São Paulo, brigou com os técnicos, brigou com todo mundo.
Há uma grande chance de a eleição do ano que vem ser polarizada entre Lula e Bolsonaro. Isso é bom ou ruim para o país?
É ruim. Querem fazer como aconteceu na eleição passada, o PT de um lado e o Bolsonaro de outro. O rapaz do PT (Fernando Haddad) era uma pessoa muito boa, mas ficou defendendo a soltura do Lula e a volta do PT. Eu, por exemplo, anulei o voto, porque também não confiava no Bolsonaro. E acho que estava certo. Mas se de um lado tem gente querendo fazer essa rachadura, de outro tem muitos brasileiros, e eu sou um deles, que acreditam que temos que ir na direção de uma normalidade democrática. Não temos que ficar nisso de “ou mata ou enforca”. Temos que fugir dessa polarização, pelo amor de Deus.
Quem seria um nome para fazer essa terceira via decolar?
Se tu falares em nome hoje, tu corre o risco de queimar a pessoa. Precisamos deixar as coisas acontecerem naturalmente. Não temos hoje grandes nomes como tínhamos no passado, como Ulysses (Guimarães), Tancredo (Neves). Até na área militar tinha nomes importantes, o (Ernesto) Geisel tinha presença, o Castelo (Branco) tinha presença. Hoje não tem. Não temos um (Franco) Montoro, um (Mário) Covas, até o (José) Sarney, apesar de tudo. Na Igreja, tinha o dom Hélder (Câmara). Hoje aparece um apresentador da Rede Globo querendo ser candidato (Luciano Huck), o governador de São Paulo (João Doria). Mas nao tem ninguém que se destaque.
Qual o potencial do governador Eduardo Leite (PSDB), na sua opinião?
O governador de São Paulo sempre tem mais chances de ser candidato. É um nome natural, porque São Paulo é um estado rico. Mas aí houve aquela confusão, baixaram a crista dele e o PSDB lançou o Leite. Ele aceitou no sentido de fazer um contraponto, para debater e analisar. O Rio Grande do Sul é um estado importante e ele tem credibilidade. Mas acho que também não há nada mais positivo, a discussão não andou mais, ficou para espera.
Os apoiadores do presidente acusam o Congresso e o STF de sabotar o governo. Qual a responsabilidade desses poderes na crise?
Lamentavelmente, o Congresso está flutuando. Mas não dá para dizer que o problema do País é o Congresso. O problema da corrupção envolve muito mais empresários do que políticos. Eu defendo o parlamentarismo. O regime presidencialista do Brasil é irresponsável, nunca vai chegar a um entendimento. O único regime presidencialista que funciona é o dos Estados Unidos, mas na maioria dos países há o parlamentarismo. O Brasil está vivendo esse drama. Vai derrubar o presidente? Seria uma violência. No parlamentarismo, bastaria tirar o primeiro-minsitro e escolher outro. Essa confusão existe, mas não dá para dizer que o Congresso é o culpado dos problemas do País. A culpa é do Supremo e do presidente.
A forma de indicação dos ministros do STF está errada?
O PT indicou um ministro que foi candidato a vereador, outro que foi subchefe da Casa Civil. O presidente indica quem ele quer. Eu, no Senado, votei contra algumas indicações de ministros. Mas em 32 anos, todas foram aprovadas. O ministro indicado pelo Bolsonaro, ninguém sabe quem ele era, só se sabe que era muito amigo do filho do presidente. Antigamente eram pessoas notáveis, ultimamente não.
Como o senhor vê o mundo pós-pandemia?
Eu, Pedro Simon, um zero à esquerda, estou aqui na Rainha do Mar praticamente fechado. Mas, assim como eu estou aqui, as pessoas mais importantes do mundo estão fechadas também. Isso atingiu o mundo inteiro, pobres, ricos, estamos todos na mesma situação, em casa, saindo sob perigo, com parentes doentes. Esse é o drama do mundo inteiro. Tem países da África que não devem ter vacina nem no ano que vem. Estão, essas injustiças sociais estão aparecendo. E essa polaridade do mundo, que antes era entre Estados Unidos e Rússia e hoje é entre Estados Unidos e China, está crescendo muito. O mundo vive um momento muito difícil. Não há risco de ruptura, de guerra, mas realmente há uma instabilidade. Estamos vivendo o apogeu de uma crise. O mundo não voltará a ser o mesmo. Vai ter que haver o ressurgimento de uma ideia de paz.
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