Um costume de nossa gente nas terras do Sul tem sido colocado à prova nestes tempos de pandemia. O tradicional chimarrão de erva-mate, ou simplesmente mate, marcado pelo compartilhamento da mesma cuia e da bomba por várias pessoas, é alvo de contraindicação pelo potencial de contaminação do vírus que carrega. Assim, muitos deixaram de lado esse hábito, como foi o caso de colegas de redação, ou passaram a mantê-lo apenas para consumo individual, o que, de certa forma, contraria uma de suas interessantes características, expressa pelo encontro das pessoas e do chimarrão passado de mão em mão, junto com uma boa conversa.
Mas há, e não são poucos, os que mantiveram a famosa roda do mate, como acontece inclusive nas minhas proximidades, onde a sogra, com nada menos de 92 anos, não abre mão dele, quando se encontra lá em casa ou na própria residência, na Vila Monte Alverne. E não se trata do amargo chimarrão, mas do doce mate, com generosas doses de açúcar, algum chá e maçã, que, junto com mais alguns doces alemães (o pai dela era confeiteiro, vindo da Alemanha), ela reparte no grupo familiar e de mais alguém muito próximo, como a dona Maria, que a visita sempre. Neste âmbito mais restrito, com o devido e possível cuidado de não admitir alguém com mínima suspeita de contaminação, esse sistema tem sido preservado e, até o momento, sem problema.
No meu caso, inclusive já gostei do mate doce na infância da colônia alemã e nos períodos de namoro (para agradar à sogra…), mas me acostumei ao amargo, e agora fico olhando apenas de longe, não sem deixar de apreciar esse interessante hábito (vício?), em que a fofoca rola solta (dizem que as pessoas não podem viver sem ela), as notícias são atualizadas, desde o nascimento ou a morte de alguém, quem está doente e de quê, quem casou ou descasou, quem viajou e voltou, e, adaptado às modernidades, o que está “bombando” nas redes sociais. É, sem dúvida, um momento de interação que merece a devida atenção.
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Não é por acaso que o médico viajante alemão Robert AvéLallemant, que andou no século 19 pelas bandas rio-grandenses e inclusive em nossa Santa Cruz do Sul, que então começava a ser implantada, escreveu um belo comentário a respeito desse produto e costume gaúcho. No seu livro Viagem pela Província do Rio Grande do Sul, 1858, ele descreve: “…em menos de um minuto tem-se na boca o símbolo da paz, da concórdia, do completo entendimento – o mate! …é uma espécie de serviço divino, uma piedosa obra cristã, um comunismo moral, uma fraternização verdadeiramente nobre, espiritualizada! Todos os homens se tornam irmãos, todos tomam mate em comum!”.
Diante de tal e imparcial manifestação, sem falar de poderes digestivos e outros que a erva teria em termos de saúde, não se pode fazer menos caso desse poderoso instrumento de integração e comunhão em nossa cultura, no nosso dia a dia, mesmo quando se vive situações anormais como as de hoje. Embora tenha evitado o meu amargo neste período, fico sem jeito de condenar o costume tão arraigado e mantido em grupos bem restritos, e me atrevo a escrever a respeito, não sem deixar de lembrar que nunca se deve deixar de tomar, também, os tão proclamados cuidados.
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