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A provadora de comida

Dias atrás flagrei a Ágatha subtraindo, às colheradas, bocados de uma porção de carne moída que, já cozida, esperava na panela sua vez de ingressar na travessa da lasanha.

– Ahã – surpreendi a gulosa. – A fome é tanta que não dá para esperar a lasanha ficar pronta?

– Não é isso – alegou a marota, ainda de boca cheia. – Estou trabalhando como provadora.

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– Provadora?

– Isso. Verifico se a comida não está envenenada – e, em novo ataque à carne, acrescentou: – no lado de cá da panela está tudo bem. Vou experimentar agora o outro.

Óbvio que eu já sabia o que são provadores de comida. O que me surpreendeu, contudo, é a caçula também saber da existência de tão perigosa atividade. Não foram poucos os provadores que, no curso da história, sucumbiram para salvar seus governantes do envenenamento.

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A atividade de provador possivelmente é tão antiga quando a existência da autoridade. Assim que o primeiro Homo sapiens foi elevado à condição de líder e, ao mesmo tempo, angariou desafetos, possivelmente cercou-se de provadores para garantir que não seria envenenado pelos inimigos durante o almoço ou o jantar.

Dentre os entes mais famosos a lançar mão de provadores estão os faraós do Egito, os quais, ainda que considerados deuses, preferiam não arriscar. Reservada a escravos, a função de provador do faraó tinha a vantagem do acesso a variada gastronomia, pois todo dia saía banquete na corte: comiam-se carneiros, gansos, codornas, peixes e uma infinidade de frutas, servidas empilhadas na forma de pirâmides. E o provador era o primeiro que experimentava todos esses deleites recém-tirados do forno.

– Huuum, aaahhh, huuum… que delícia… – e chomp, chomp, chomp.

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Mas, claro, havia o risco de cair duro logo após uma generosa dentada em uma coxa de ganso temperada no mel.

Os imperadores romanos, outros que levavam fama de vorazes à mesa, também tinham seus provadores. Até na Idade Média, época de muitas intrigas palacianas, havia indivíduos que experimentavam a comida antes de reis e príncipes. Com as luzes da Renascença, a atividade ficou mais refinada e rigorosa: os provadores ganharam status de sommeliers.

– Hum… cor rubi, ligeiramente turvo, untuoso na taça, encorpado e persistente. Provoca ligeira explosão alcoólica na boca, seguida por aromas de frutas negras maduras, de violeta, cereja, framboesa e… arsênico. Não recomendo nem com carnes vermelhas, nem com peixe, nem com queijo… enfim, não recomendo essa taça em hipótese alguma!

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Ágatha certamente não se arriscaria em uma atividade como essa, tampouco desconfia de que queiram nos envenenar. Ocorre que, eventualmente, banca a glutona e sequer aguenta esperar a refeição ficar pronta. Então, vem com essa desculpa de ser nossa provadora oficial.

Eventualmente, claro. Na maioria das vezes, é muito regrada e cuidadosa à mesa, jamais abrindo mão de legumes e verduras.

Estes dias, contudo, voltou a me surpreender diante de um prato de sopa, no jantar.

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– Sabe? Muitos dizem que sopa não é janta. Nem almoço, nem café – comentou, enquanto contemplava a comida. – Alguns, muito gulosos, dizem que a sopa serve apenas para abrir o apetite antes das refeições de verdade. Outros, que sopa é comida de doentes.

– É mesmo? – olhei-a, intrigado. – E tu, o que pensas disso tudo?

A caçula refletiu um pouco, antes de responder.

– Penso que são uns mentirosos, ou muito comilões.

E fez a colher emergir do prato, transbordando sopa quentinha.

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