No dia 11 deste mês, a Câmara dos Deputados aprovou o Projeto de Lei (PL) 3515/15 que cria novas regras para evitar o superendividamento do consumidor. O projeto havia sido apresentado pelo senador José Sarney (PMDB/AP) e foi aprovado em 2015; agora, com as modificações feitas pela Câmara, o texto volta para análise do Senado. Se for aprovado no Senado, o projeto irá à sanção do presidente Bolsonaro.
De acordo com estudo da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), o percentual de endividados no Brasil fechou, em 2020, em 66,5%, a maior taxa de endividamento familiar no país, nos últimos 11 anos.
Embora o endividamento dos brasileiros tenha crescido em todas as faixas de renda, um levantamento do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre/FGV), realizado em abril deste ano, apontou que a situação é mais dramática para as famílias mais pobres. Entre a população com renda de até R$ 2.100, 22,3% já se encontra endividada.
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A gravidade desse cenário fica ainda mais evidente ao descobrirmos que o endividamento dos brasileiros já vinha crescendo em janeiro de 2020, dois meses antes do estado de calamidade pública, decretado no país, por causa da pandemia do coronavírus. Segundo dados do Serasa Experian, 63,8 milhões já estavam inadimplentes naquele período, 2,6% a mais que no ano anterior.
Além dos fatores que normalmente contribuem para o endividamento – perda de emprego, adoecimento ou morte de um membro da família, divórcio, salários atrasados, consumo irresponsável – as restrições às atividades, impostas por prefeitos e governadores, para conter a pandemia do coronavírus, multiplicaram e aprofundaram essas causas, com a redução de jornadas de trabalho e respectivas rendas, e, nos casos extremos, o fechamento de empresas.
Já há algum tempo, o Brasil é uma economia do consumo, do gasto, em todos os sentidos. É um comportamento que vem de décadas de inflação muito alta, num ambiente em que os preços eram reajustados praticamente todos os dias. Fazia pouco sentido programar alguma compra, poupando antes o valor necessário para dar de entrada ou quitar à vista a aquisição de algum bem. O resultado é uma geração de brasileiros que acostumou-se a pensar no curto prazo.
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Observamos, também, o comportamento em que o consumidor tem a tendência de sempre tomar decisões subestimando os riscos e superestimando as chances de sucesso ou de conseguir pagar o crédito obtido no futuro. Tudo de acordo com uma sociedade na qual o cidadão adquire status em sua comunidade na proporção do que consome: quem tem mais é mais!
Do outro lado, os meios de pagamento e financiamento oferecidos ao consumidor, às vezes de forma irresistível ou com pegadinhas, podem ter contribuído para o aumento do número de endividados. Cartões de crédito de financeiras e de lojas, contas-ordenados, créditos pessoais, crédito imobiliário, crédito do automóvel, sem falar nos tradicionais cheques especiais e até dos carnês de parcelamento, são ferramentas de multiendividamento que orientam a vida dos brasileiros. Endividar-se ou tomar um crédito permite ao consumidor ter “agora” ou mais rapidamente alguma coisa e pagar mais tarde, mesmo que com custos financeiros que muitas vezes não estão claros.
Nesse contexto, o PL 3515/15 tem como função primária a garantia de direitos básicos para o consumidor que está em situação de endividamento ou, pior ainda, de superendividamento. Com ações contra a oferta de crédito e propagandas enganosas, o PL vai proibir o emprego de expressões usadas em ofertas divulgadas na TV, nas rádios, na internet ou em simples panfletos distribuídos nas calçadas, como, por exemplo, propostas de “em x vezes, sem juros”, “gratuito”, “sem acréscimos”, etc. O consumidor endividado terá a possibilidade de renegociação das dívidas com os credores, na presença de um juiz ou, como alternativa, dos Procons. Seria oportuno incluir-se, nessas mesas de negociação, câmaras de conciliação privadas que já atuam em muitas cidades do Brasil, com alto percentual de acordos. Nessas renegociações, o endividado terá direito a garantir o mínimo existencial, quer dizer, um valor para ele sobreviver.
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É óbvio que ter dívidas não é o problema, desde que sejam “dívidas boas”, que agregam valor, e assumidas em condições que possam ser pagas, isto é, bem avaliada a capacidade de pagamento. O problema aparece quando as pessoas não estão preparadas para crises, principalmente mais agudas como esta da pandemia do coronavírus, com todas as implicações, principalmente a redução ou eliminação de salários e rendas. O que mais complicou a vida financeira, tanto de pessoas físicas quanto de pequenos negócios, foi a falta de uma reserva financeira para enfrentar tempos de “vacas magras”.
Quem está endividado sempre procura atribuir a culpa a circunstâncias, motivos ou outras pessoas antes de admitir que ele é o principal culpado. Quem contraiu empréstimos ou dívidas sem o devido planejamento precisa aceitar essa realidade. A primeira ação para resolver o problema é admitir o erro; só assim, a lição será aprendida. Claro, uma lei que possa ajudar a resolver um problema sério de finanças já instalado, como a proposta pelo PL 3515/15, é muito oportuna. Mas, é o momento, então, de começar a tratar o problema na raiz, mudando o comportamento em relação ao uso do dinheiro para prever uma sustentabilidade financeira, mesmo em situações adversas.
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