Peço licença para citar na íntegra trecho da página 171 do livro Viagem pela Província do Rio Grande do Sul (1858), do explorador alemão Robert Avé-Lallemant, nascido em Lübeck em 1812 e falecido na mesma cidade em 1884, aos 72 anos. Menciono a edição da Itatiaia, lançada em 1980, em tradução de Teodoro Cabral. Como médico, Robert se estabelecera no Rio de Janeiro, capital do Império, em 1836. Seus apontamentos de viagens foram publicados em alemão após seu retorno para a Alemanha, em 1859, e posteriormente traduzidos para o português.
Consta ali: “Pouco depois passamos por um regato e, afinal, chegamos a uma grande e larga clareira limitando com um terreno montanhoso e coberto de mato. Começa aqui a colônia alemã de Santa Cruz. O lugar chama-se Fachinal e deverá ser, mais tarde, o lugar central, a Vila de Santa Cruz. Um grande quadrado assinala a futura praça principal. Mas até agora só existem três ou quatro casas isoladas e as paredes mestras de uma igreja católica em construção, na praça coberta de relva verde. Numa dessas casas eu devia morar”.
O que descreve é nada menos do que o marco zero da cidade de Santa Cruz, a atual Praça Getúlio Vargas, conhecida como a Praça do Chafariz, por ter no ponto convergente central um dos maiores e mais elegantes espelhos d’água com chafariz em ambiente urbano do Brasil. São raros os momentos, nos relatos de viagens ou de história, em que se tem o registro, pontual e fidedigno, da urbanidade nascente sendo descrita e fixada.
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É o dia 13 de março de 1858. A chegada dos primeiros imigrantes, da Silésia e da Pomerânia, como Avé-Lallemant descobre, datava de nove anos, de 1849. Na viagem a cavalo a partir de Rio Pardo, os visitantes cruzaram por campos, aldeias indígenas e riachos largos e fundos, até chegar à ainda incipiente colônia alemã. Impressionou a Avé-Lallemant a determinação dos colonos. “Fachinal de Santa Cruz é decerto solitário! Quando, no dia 14 de março de manhã cedo, saí para a frente da casa, parecia ter diante de mim todo um mar de ondas de mato (…). Para todos os lados, um oceano de matas!”
Santa Cruz sabe, porque aprendeu a admirar, em que resultou aquele quadro original, da praça simples sendo demarcada, com igrejinha sendo erguida. A Praça do Chafariz, com a imponente Catedral São João Batista ao lado, testemunhou cada dia daquela que viria a se tornar a tão cosmopolita cidade.
Hoje, um grupo de cidadãos, apaixonados por essa praça, uniu-se a fim de lutar por melhorias e por eternizá-la no devido posto de marco zero municipal. A Associação dos Amigos da Praça do Chafariz (Apriz), formalmente constituída, realiza reuniões semanais no Quiosque (da Praça, claro), inspirada pelo entusiasmo de seu mentor, Romeu Waechter. A beleza do que Robert Avé-Lallemant viu diante de si no entardecer de 13 de março de 1858 (data que, aliás, transcorre na próxima segunda) segue magnetizando cada integrante da Apriz, hoje, a fim de que os cidadãos do futuro possam se deslumbrar com a mesma praça, a linda Praça do Chafariz.
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