Lembro bem. A primeira sensação foi desoladora. Após perfurar mais de mil metros de rochas, não fora encontrado nenhum indício de petróleo ou gás. Quase duas semanas haviam se passado entre o início da perfuração e seu término, no ano de 1981. Dormia-se muito pouco. Apenas durante a retirada da tubulação para troca de broca. A depender da condição do terreno, a broca sofria um rápido desgaste. Trocava-se de broca também por se mostrar inadequada para determinados tipos de rochas. Todavia, se algumas perfurações resultavam “secas”, de outras jorravam perspectivas.
Tantos anos após, ainda sinto o cheiro do óleo emanado do sofrido e belo Recôncavo Baiano. Por mais que se lavasse o corpo, parecia haver uma segunda, terceira e quarta pele a ser limpa. Quanto aos cabelos, não havia jeito. Ao odor associava-se uma espécie de viscosidade impregnante. Não bastasse, havia o trepidar constante da plataforma. Esta, resfolegante em espasmos aprofundados no terreno de entranhas pouco conhecidas.
Ao odor e trepidar da sonda, na busca pela ocorrência do jazimento de hidrocarbonetos, acrescente-se o grau variável de temor. Tudo poderia voar pelos ares em frações de segundos. Bastaria que o “BOP” (Blowout Preventer), um mecanismo munido de válvulas de segurança acauteladora das possantes pressões subterrâneas, não funcionasse no momento certo, ou que a imperícia/descuido humano se fizesse incidente. À semelhança de uma rolha incendiária de uma garrafa de champanhe, tudo poderia virar fogo e explosão. Recordo da sonda petrolífera que em abril de 2010 explodiu no Golfo do México, transformando as águas num mar em chamas. Guardo, sobretudo, a crueza dos mangues poluídos e a dor dos pelicanos – ave-símbolo da região da Louisiana –, de penas engessadas pelo óleo. Impedidas de voar, sucumbiam à míngua, sufocadas, sofridas, impotentes.
Publicidade
Sem dúvida alguma, a perfuração de um poço destinado à prospecção de petróleo exige conhecimento, precaução, tecnologia, recursos e, sobretudo, atenção máxima. Qualquer anomalia precisa ser devida e rapidamente avaliada. Há que se ter em mente os protocolos a serem seguidos, mesmo sabendo que cada situação é diferente das até então verificadas.
Todavia, logo aprenderia que até um poço seco tem seu significado. Indica que a locação foi equivocada, ou, ainda, que se atingiu um limite da possível reserva de hidrocarboneto. Lembremos que, entre a ambiência rica em organicidade, a presença de uma rocha geradora, passando pelas condições adequadas de pressão, temperatura, soterramento e modificações geoquímicas, até a migração acompanhada pelas feições geológicas propícias à acumulação, há um longo tempo de “amadurecimento” dos hidrocarbonetos.
Esse tempo já não está disponível. Agora, algo nos impregna mais que o cheiro, ressoa além da broca e pressiona avassaladoramente: a emergência climática.
Publicidade
Já não nos cabe buscar energia em depósitos fossilíferos marcados pela ancestralidade dos milhões de anos geológicos. Queimar combustíveis fósseis equivale a incinerar nosso futuro comum. Que 2022 seja um ano de resolutiva renovação enérgica. Que as marés, os ventos e os sóis nos iluminem. Quem sabe uma descoberta inusitada? Temos pressa. O poço do tempo secou.
Quer receber as principais notícias de Santa Cruz do Sul e região direto no seu celular? Entre na nossa comunidade no WhatsApp! O serviço é gratuito e fácil de usar. Basta CLICAR AQUI. Você também pode participar dos grupos de polícia, política, Santa Cruz e Vale do Rio Pardo 📲 Também temos um canal no Telegram! Para acessar, clique em: t.me/portal_gaz. Ainda não é assinante Gazeta? Clique aqui e faça sua assinatura agora!
Publicidade