Há uma semana este texto seria diferente. Já tinha até rascunhado algumas linhas em pensamento. Mas o mundo era outro há uma semana. Ou, ao menos, a percepção que tínhamos em relação ao mundo. Mais do que uma praga invisível, o que se disseminou em uma absurda velocidade nos últimos dias foi um profundo sentimento de angústia, que agora está latente nos semblantes de todos por quem passo.
Não é o medo da dor ou da morte, embora os riscos estejam postos. É, sim, a angústia pela nossa fragilidade enquanto espécie, que foi brutalmente exposta. Em questão de horas, praticamente toda a dinâmica social que nos dá segurança para tocar a vida foi interrompida, rotinas foram transformadas, planos e projeções foram frustrados e o fantasma da recessão voltou a nos rondar. E tudo por conta de algo que não podemos sequer enxergar ou tocar e que segue varrendo o planeta em ritmo alucinado enquanto fronteiras são bloqueadas, voos são cancelados e nós nos vemos sem outra saída que não o confinamento.
Publicidade
Quem diria? Os mesmos seres que conseguem prolongar a própria expectativa de vida a cada geração, que desenvolveram tecnologias complexas capazes de acabar com a crença no “impossível”, que lotam academias e clínicas crentes de que controlam a própria saúde, estão agora encurralados nos limites de seus aposentos pela imprevisibilidade de uma coisa nova, para a qual não há vacina, nem remédio e sequer muitas explicações. As notícias nos assombram: nos Estados Unidos, maior economia do mundo, não há leitos para fazer frente à iminente escalada de infectados; na Itália, o governo já cogita deixar quem tem mais de 80 anos à própria sorte, enquanto outros países, incluindo o Brasil, tentam recuperar o atraso e convencer os terraplanistas a saírem das praias.
Publicidade
Moral da história: somos espertos, sim, mas nem tanto. A pandemia, aliás, também derruba alguns dos paradigmas aos quais insistimos em nos apegar na existência em sociedade. Quer dizer, o vírus não está interessado em quem somos (ou em quem pensamos que somos): pega do assalariado anônimo do metrô ao general do Palácio do Planalto. Vícios e preconceitos que reproduzimos no dia a dia simplesmente caem diante de uma peste. É como diz a genial canção Roda, de Gilberto Gil: “Se morre o rico e o pobre/ Enterre o rico e eu/ Quero ver quem que separa/ O pó do rico do meu.”
Talvez no futuro, quando os dias que vivemos estiverem nos livros, entenderemos que a crise da Covid-19 serviu exatamente para isso: pôr à prova a nossa sabedoria e dignidade. Até porque, muito mais do que o saber científico e político, o que vai fazer a diferença nesse momento é o nosso saber individual – a maturidade de respeitar as orientações oficiais, o bom senso de não estocar mercadorias sem necessidade, a solidariedade com os mais suscetíveis, a sensibilidade dos empregadores em relação aos empregados, a responsabilidade de não passar adiante informações duvidosas, a inteligência de não perder tempo com disputas ideológicas. Afinal, como bem diz um conhecido provérbio, quando o jogo de xadrez acaba, o rei e o peão vão para a mesma caixa. Ironicamente, trata-se de um provérbio chinês.
Publicidade
(Por prezar pela saúde dos meus pais, ambos com mais de 60 anos, abrirei mão de abraçá-los neste domingo, quando completam quatro décadas de casamento. Não vai ser fácil, mas precisa ser feito. Pai, mãe, obrigado por tudo. Amo vocês!)
Publicidade