Nos meus registros, tenho que a frase do título seria de Guimarães Rosa. Tentei várias vezes localizá-la em suas obras, mas não mais me deparei com ela. Se não for, desculpem, porém o seu sentido me causa impacto, a ponto de sempre lembrá-la quando leio ou ouço alguns depoimentos. Ela é uma das que receberam o direito de constar num painel que fica na frente da minha mesa de trabalho e se aproxima de outra passagem de Grande sertão: veredas, também de Guimarães: “Mire veja: o que é ruim, dentro da gente, a gente perverte por arredar de si. Para isso é que muito se fala?”
Há poucos dias, um amigo publicou um texto numa rede social lembrando a morte inesperada de uma criança de 3 anos, seu filho. Transformou em palavras uma dor de vinte e um anos, dor que persiste mesmo com a passagem do tempo. Mas, narrar o fato, tornar palavras as lembranças do que foi e do que poderia ter sido certamente ameniza uma ruptura, uma lacuna impossível de recompor, mas possível de atenuar.
Inúmeras vezes nos deparamos com pessoas saindo de uma perda afetiva, de um acidente, de uma doença, de alguma forma de agressão, contando, repetindo, falando sobre a experiência e, ao final, se sentindo mais leves, como se a dor se esvaísse nas palavras proferidas. Ao mesmo tempo, dá-se um momento de partilha, as pessoas se sentem acolhidas, compreendidas, se fortalecem na solidariedade de quem sabe escutá-las. Falar e ser ouvido, então, é um grande exercício de amor.
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A própria ideia de gastar remete a uma ação lenta, progressiva. Em geral, não se gasta uma fortuna num ato intempestivo, de supetão. Da mesma forma, a saúde que, se não cuidada, vai-se gastando gradativamente. Gasta-se pouco a pouco, até minguar o que está disponível. Assim, também a dor, a origem da dor, as suas consequências vão-se dissipando à medida que se tem a possibilidade de fracioná-las em sucessivas narrações que acabam apaziguando o coração.
De outra parte, quem sofre também se beneficia das palavras que vão ao seu encontro, do consolo que recebe de seus amigos, dos abraços e afetos que faz por merecer. Os doentes se sentem confortados, os aflitos percebem que não estão sós, os tristes podem sublimar suas escondidas dores, porque das palavras amigas provêm o ânimo, a energia, a coragem, a esperança de que uma vida melhor ainda é possível. Infelizmente, nem sempre nos damos conta disso e, quando chegamos, já pode ser tarde.
As palavras se vestem para qualquer ocasião. Frequentam os tribunais, as igrejas, a educação, a feira, o comércio e a indústria, os encontros e desencontros, ficam vermelhas de vergonha ou de ira, cortam como espadas afiadas, se tecem aveludadas para as manifestações de carinho. As palavras são a nossa vida, a língua é a nossa vida.
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Assim como a palavra gasta a dor, ela também mora nos momentos de felicidade. Quando experimentamos o sucesso no trabalho, a promoção recebida, o nascimento de um filho, a alegria dos encontros, a casa conquistada, o emprego desejado e confirmado, quando estamos felizes, também transformamos isso em narrações e dividimos tudo com todos aqueles que amamos e a que certamente ficarão felizes conosco.
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