Cultura e Lazer

A paisagem de Santa Cruz desenhada com ares de cartoon

A série Desenha Santa Cruz, que a Gazeta do Sul desenvolve, numa ação em parceria com a Associação Pró-Cultura de Santa Cruz do Sul, já teve a participação de dois artistas. O primeiro foi o rio-pardense Fernando Barros, ilustrador e chargista, e o segundo o professor, escritor e desenhista José Arlei Cardoso, natural de Uruguaiana e radicado em Santa Cruz.

Nesta edição, o escritor, editor, desenhista e ilustrador Gilberto José Kipper, conhecido como Gil Kipper, torna-se o primeiro santa-cruzense a integrar a iniciativa. E, por sinal, é um dos artistas locais que mais profundamente vivenciam a realidade urbana, de maneira a traduzi-la em arte. Nasceu e cresceu na Rua Marechal Deodoro, na quadra ao lado da Catedral São Batista. Ou seja: conhece como poucos o Centro.

Não por acaso, os personagens que criou, e que já se projetaram para todo o Estado, em inúmeras aventuras que idealizou, frequentam os espaços públicos desta área como se fossem o seu lar e o seu mundo particular. É como ele mostra em sua participação nessa série, o que inclui a ilustração da capa desta edição.

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Aos 68 anos, o desenhista e escritor Gil Kipper é um típico santa-cruzense. Nasceu e cresceu na Rua Marechal Deodoro, ao lado da Catedral São João Batista e o prédio do Colégio das Irmãs (atual Faculdade Dom Alberto), no dia 24 de agosto de 1955. Ali, ao lado dos pais, Herilda e Luiz Vicente, e dos irmãos Sérgio e Astor, vivenciou a rotina urbana de meados do século 20 e ainda todos os acontecimentos relevantes, na comunidade ou no grande mundo, das décadas de 1960 e 1970.

Ele seguia ao longo (ou pelo meio) da Praça Getúlio Vargas até o Colégio São Luís, onde cursou o primário e o ginásio, até os 16 anos. Em ambiente escolar, ou mesmo fora dele, suas habilidades no desenho eram visíveis e evidentes. E foi também nesse tempo de estudos que um colega passou a chamá-lo de Gil, que acabou por adotar como nome artístico, tornando-se o Gil Kipper. Recém-saído da adolescência, começou a ser demandado por algumas empresas locais, que o desafiaram a criar artes. Jovem, disposto a alçar voos e a se aperfeiçoar, com 21 anos aventurou-se em Porto Alegre. Ficou por uma década na Capital, atuando em importantes agências de publicidade.

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Foi com uma experiência valiosa em criação, tanto no desenho quanto na produção textual, que se fixaria de novo em sua terra natal. O contato com editoras, na Capital, abriu-lhe as portas para a publicação. Por volta dos 30 anos, lançou seu primeiro livro de aventura direcionado a público infantojuvenil, O filho do Pantanal, em 1984, pela Sulina. Até hoje é uma de suas realizações mais bem-sucedidas, com sucessivas edições. Dois anos depois, seguiu-se O estranho desafio do menino boiadeiro, também pela Sulina. Em ambos, o enredo que remetia ao universo do campo, ao contato com a natureza, que passou a constituir marca em toda a sua obra, inclusive a ambientada em contexto urbano.

Aliás, já por esse tempo Gil era um constante colaborador da Gazeta do Sul, publicando nela charges e tiras, e depois ilustrações com atividades para a garotada. Em sua temporada em Porto Alegre, conheceu Elaine Rosane dos Santos, que se tornaria a sua esposa em 1982.

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Em vindas a Santa Cruz para rever familiares, Gil ainda se interessou por outra área, a da apicultura, o que só fortaleceu o seu olhar criativo sobre o meio ambiente. Sempre que possível, lá estava ele instalando caixas e espalhando colmeias em chácaras pelos subúrbios. Com esse vínculo fortemente restabelecido com a terra natal, o casal mudou-se para Santa Cruz, e por aqui nasceram os filhos Cristian e Gabriela.

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Nos últimos anos, por intermédio da editora que fundou, a Zum, Gil lançou sucessivamente novas obras e passou a editar outros autores. Apostou ainda no ramo livreiro, e tornou-se assíduo em feiras e eventos literários em todo o Estado. Mas jamais abriu mão do que mais gosta: desenhar, inventar enredos e compartilhar suas criações com o público leitor, seja ele composto por crianças, jovens ou adultos. Agora, na série Desenha Santa Cruz, brinda os leitores da Gazeta do Sul com cinco desenhos exclusivos, protagonizados por seus populares personagens.

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Aula ao ar livre no Parque da Gruta

Pontos turísticos e ambientes ao ar livre amplamente conhecidos e frequentados pelos santa-cruzenses e por visitantes com muita frequência marcam presença nos enredos literários do escritor e desenhista Gil Kipper. É o caso do Parque da Gruta, ala leste da cidade, cuja natureza exuberante oferece uma infinidade de possibilidades que envolvem e atiçam a curiosidade dos leitores, ainda mais os jovens. É o caso desse desenho que compartilha na série Desenha Santa Cruz, na qual um grupo de personagens de sua autoria aparece em cena.

O pano de fundo é oferecido por três cores básicas: um amarelo claro em primeiro plano, a título de superfície do terreno, sobre o qual estão os personagens; um tom de cenoura no rochedo imponente, que se abre para a Gruta, escura e misteriosa; e o verde da vegetação na parte superior, remetendo à exuberância da natureza de todo o Parque da Gruta e do Cinturão Verde.

Os personagens que apresenta já explora em enredos há cerca de três décadas: lidera o grupo o professor Jorge, que se esmera em fomentar a consciência ambiental e convida estudantes ou jovens a um passeio em meio à natureza, numa espécie de aula prática ao ar livre. No desenho aparecem, a partir da esquerda, o Keko, o cãozinho Toco, o menino Jackson, mais à frente, já próximo do professor, a jovem Katiana mais a menina Bete e, à direita, o Eliaser.

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Gil comenta que essa trupe esteve presente em várias de suas histórias ao longo do tempo, em piqueniques e aventuras, sempre repletas de reflexões sobre a necessidade de interação mais harmoniosa com a flora e a fauna. Sem dúvida, de suas andanças pelos arredores de Santa Cruz em sua fase de apicultor, Gil identificou muitas situações que poderia, mais tarde, aproveitar em seus enredos literários. E as histórias que se relacionam com o Parque da Gruta e o Cinturão Verde evidenciam a sua atualidade e a pertinência em dias marcados pelo debate ambiental e pela enxurrada. O que os personagens do desenho de Gil vão conferir é o local que se constitui em repositário valioso de patrimônio natural para as gerações de hoje e de amanhã.

Uma cidade que brilha com intensidade e proporciona um belo horizonte

Que tal um passeio por Santa Cruz do Sul na companhia do Fritz e a Frida e de seus filhos, Max e Mili? Todos acomodados em um simpático carrinho da Oktoberfest? É isso o que Gil Kipper propõe em um dos desenhos exclusivos que elaborou para a série Desenha Santa Cruz. Nesse caso, a família símbolo da Festa da Alegria aparece no alto do Parque da Cruz, a Sudeste da cidade. A fubica está estacionada junto à amurada de proteção e o Fritz aponta para o centro da cidade, entusiasmado e expressando o amor pela sua terra. A seu lado, a Frida faz o mesmo gesto. No banco de trás, Max, de boné e supostamente com um celular nas mãos, para agilizar um registro do momento familiar nas redes sociais. Ao lado dele, a irmã Mili.

Diante deles, e também de quem aprecia a arte, o centro da cidade se descortina, tendo a Catedral São João Batista como ponto a atrair as atenções. Acima, um céu claro, sem nuvens, e um remanescente do brilho do sol que já se ocultou no horizonte. Portanto, é um entarceder em Santa Cruz que a família curte de forma privilegiada.

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Em nível mais próximo dos personagens, mais uma vez a vegetação do Cinturão Verde se salienta, essa que Gil Kipper jamais deixa de salientar em toda a sua obra. Se a paisagem é estática e busca ao máximo o realismo, alguns elementos típicos do cartoon foram explorados pelo autor. Um deles é a animação conferida ao carrinho, cuja frente é transformada em rosto de personagem, com olhos em lugar dos faróis e um nariz e uma boca sorridente. Esse recurso confere à peça a diversão e a empatia típicas dos quadrinhos de gibis ou mesmo dos desenhos animados da TV.

Num exercício livre da imaginação, pode-se ainda compreender o casal acomodado no banco de trás do carro como sendo turistas. Nesse caso, em visita à cidade, teriam como guias ou cicerones privilegiados ninguém menos do que o casal símbolo da Oktoberfest. Provavelmente, depois de levarem os visitantes até o Parque da Cruz para, de lá, mostrarem a área central, Fritz e Frida os convidariam a seguir com eles até o parque da Festa da Alegria.

O Índio Ximia aprecia o Parque da Gruta como o seu mundo encantado

Se no desenho à esquerda um grupo de personagens criados por Gil Kipper aparece diante da Gruta, um dos ambientes turísticos por excelência de Santa Cruz do Sul, nesta arte um indiozinho, agarrado a um cipó, admira do alto o Parque inteiro. É um dos personagens mais cativantes criados pelo desenhista, o Ximia.

Que, sendo um remanescente dos povos originários da região central gaúcha, faz alusão ao próprio espaço natural do desenho à esquerda. Acontece que a abertura no rochedo sempre foi chamada e conhecida pelo povo como Gruta dos Índios, ainda que, posteriormente, geólogos e especialistas tenham divulgado que, a princípio, indígenas não moraram ali. A caverna constituiu, isso sim, uma paleotoca, cavada, em épocas pré-históricas, por preguiças-gigantes, animais que ocupavam toda essa região do Brasil e da América do Sul.

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De seu mirante privilegiado, o pequeno Ximia espia, com viva satisfação, sorridente, a amplitude dos espaços que o Parque da Gruta oferece, para ele e todos os frequentadores. Bem por isso, sem dúvida que ele é defensor ferrenho da preservação de todos os recursos naturais ali encontráveis, da fauna e da flora. A entrada de público para o parque encontra-se à esquerda no mapa elaborado por Gil. Ali há um caminho para carros e pedestres, que permite chegar até o estacionamento próximo do lago e também do restaurante.

A partir de lá, os visitantes podem percorrer uma série de trilhas, em diferentes níveis de terreno, apreciando animais e aves, e ainda se beneficiando da sombra e do ar puro de um dos mais saudáveis ambientes naturais de toda a região central gaúcha. À direita, uma seta amarela aponta para o local onde se situa, em porção bem elevada do terreno, a Gruta, que se vê de frente no desenho à esquerda.

O que sem dúvida se salienta para o leitor é a intensidade do verde, em diferentes graus de vegetação, incluindo bosques fechados e riachos que nascem da parte superior do Cinturão Verde. É um repositário valioso do mundo natural, um ecossistema intenso e diversificado, situado a poucos quilômetros da área central de Santa Cruz do Sul. Portanto, um patrimônio de valor inestimável para toda a sociedade.

Um encontro diante da Catedral

A Catedral São João Batista é um elemento recorrente na obra de Gil Kipper. Também pudera. Ela se situava, desde sempre, praticamente no quintal de sua casa. Pode-se imaginar o quanto aquele prédio imponente, cartão-postal da cidade que se projeta para o mundo inteiro, tende a ter se firmado no imaginário do desenhista e escritor. Uma vez que ele nasceu e cresceu a poucos metros da igreja, apenas dobrando a esquina da Rua Ramiro Barcelos, no sentido norte, e caminhando alguns poucos passos até o outro lado da Marechal Deodoro, desde a mais tenra idade, ainda de casa, de uma janela, da porta ou do pátio, o que via no horizonte, a oeste, eram as torres da Catedral.

Além da onipresença da igreja, cuja sombra se estendia sobre a cidade ao entardecer, quando Gil ia brincar com os irmãos ou os amigos na Praça Getúlio Vargas, mais uma vez o prédio religioso seguia visível. E é provável que o encontro que seus três personagens têm no desenho acima seja apenas reprodução, puxando pela memória, de conversas ou caminhadas que Gil e seus amigos faziam, quando adolescentes, pelo espaço público mais central de Santa Cruz, a praça que constitui o marco-zero do núcleo urbano.

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No desenho acima, Gil retoma três dos personagens presentes na arte da visita à Gruta, na página ao lado. São eles os amigos Katiana, Keko e Jackson. O Keko é facilmente identificável por seu gorro vermelho, enquanto o Jackson desta vez levou o violão para animar com canções a reunião na praça, diante da Catedral. Aliás, Katiana, já apresentada como uma adolescente que revela seus traços de mulher feita, surge em pose na qual, com a mão erguida em direção à igreja, sugere cena mítica, gótica, em alusão e em sintonia com um templo religioso erguido em estilo neogótico.

Uma aura nórdica cerca a Catedral, e os personagens facilmente poderiam ser mergulhados em um enredo a la Harry Potter ou Game of Thrones. Uma leve bruma ao rés do chão, bem como a pedra sobre a qual Keko e Jackson estão sentados, em meio à praça, acrescentam mais mistério e suspense. E a Catedral foi homenageada por Gil ainda no desenho que ilustra a capa desta edição da Gazeta do Sul.

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Bruno da Silveira Bica

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