No ano em que completa exatas três décadas desde a sua estreia na publicação em livro, o poeta alegretense Élvio Vargas, radicado em Porto Alegre, reúne toda a sua produção em um único volume. O livro O almanaque de todas as estações: poesia completa acaba de chegar às livrarias, físicas e virtuais, sob o selo da editora Bestiário. Conforma, assim, um conjunto de 264 páginas, que está sendo vendido a R$ 72,00, e proporciona um olhar panorâmico sobre a escrita de um metótido e detalhista autor, que, não raro, se dedica a burilar um verso por longo tempo.
Com essa preocupação em lapidar cada poema com o vagar e persistência, a própria obra de Élvio não se impõe por volume ou quantidade de poemas escritos ou livros lançados. Contudo, ele, na atualidade, jamais poderia passar despercebido entre aquilo que de melhor se escreve em poesia no Rio Grande do Sul, talvez mesmo no Brasil. É certo que o lugar de Vargas já está garantido no panteão dos que devem ser lidos e relidos, e para tanto a obra com sua poesia completa cumpre um ótimo papel para o leitor.
A decisão de agrupar o que já editou em um único tomo, obviamente, não significa que dê por encerrada sua produção. Mas o livro enfeixa seus versos publicados ao longo destes anos, desde O almanaque das estações, de 1993, então lançado pelo Instituto Estadual do Livro (IEL). Após essa estreia, decorreu um hiato de mais de uma década, até que, em 2006, lançasse Água do sonho. E então, em 2012, organizou uma retrospectiva, em Estações de vigília e sonho: poesia reunida, lançado pela Editora Gazeta, no qual apareceu um conjunto de inéditos, Penhascos de vigília. O mais recente conjunto fora o de Clara anatomia lírica: edição comemorativa do cinquentenário poético, lançado em 2019, e agora, finalmente, agrupa toda a sua obra poética no novo livro.
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Nele, além dos versos, compartilha sua fortuna crítica, bem como sua detalhada cronologia de participações, tendo em vista que esteve em antologias e em outros projetos, com poemas, ensaios, crônicas, artigos. E compartilha com o leitor ainda alguns guardados, como um bilhete que recebeu do seu conterrâneo Mario Quintana em 1993. Além da poesia, Élvio ainda se dedicou a outros projetos literários e culturais, e por sua obra recebeu inúmeras premiações.
Élvio Vargas é um cidadão urbano e cosmopolita, radicado em Porto Alegre desde o início dos anos 2000. É também autor reconhecido por seu ofício, que se projeta dentro e fora do Estado como integrante da Academia Rio-grandense de Letras, na qual ocupa a cadeira de no 6 desde 2010. Mas quem lê um poema de Élvio vislumbra nele uma inconfundível nostalgia, uma saudade terna e pulsante que o remete para os horizontes e os assuntos de sua terra natal, a cidade de Alegrete, situada próximo à fronteira do Rio Grande do Sul com o Uruguai e a Argentina, a 150 quilômetros da fronteiriça Uruguaiana.
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Dos versos de Élvio avoluma-se uma pátina de melancolia, com a qual o eu lírico contempla situações de diferentes momentos de sua própria vida, e que, por tal contexto, levam o leitor a igualmente reavivar suas próprias vivências e memórias. Imagética e sonora, a poesia, apesar de sua melancolia, brinca, numa postura menos tristonha e mais alegre perante a passagem do tempo, e perante as marcas que esse passar do tempo deixa. No verso de Élvio jamais há frustração: há sempre uma consciência tácita do destino, incontornável, e também uma certa preocupação em fechar a contabilidade dos ganhos e das perdas com um saldo positivo, quase como se essa fosse a condição que o eu lírico se fixa.
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O almanaque de todas as estações: poesia completa, de Élvio Vargas. Porto Alegre: Bestiário, 264 p. R$ 72,00.
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Tenho estado todos estes anos
com aquele jeito portuário
de quem solta escunas… só para inaugurar
de manhãzinha o estuário de um novo mar.
Tenho estado com aquele resto de brumas
tão próprios das noites que me passam.
O tempo nos dias de hoje
é uma mulher com olhos de pedra
e lágrimas de sal.
Vou estando inesperadamente a sós
nesta amarga opção do poema.
Nas madrugadas… vou achando partes
e soldando ritmos.
– É tão terno e onírico o desejo da escrita –
Mais ainda… este estranho colégio
onde as almas lecionam música
para o séquito das canções…
– Élvio Vargas
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Após mais de meio século de dedicação à poesia, e três décadas cumpridas desde a estreia em livro, em 1993, o poeta Élvio Vargas projeta, para o segundo semestre deste ano, uma série de lançamentos de sua nova obra, O almanaque de todas as estações: poesia completa. Além da sessão de autógrafos que deve ocorrer durante a próxima Feira do Livro de Porto Alegre, planeja uma atividade especial em sua terra natal, Alegrete. E antecipa que está em tratativas para organizar um evento também em Santa Cruz do Sul.
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A relação do autor com a região é bastante intensa. Em parte porque foi em Santa Cruz, com a Editora Gazeta, que promoveu a edição de sua poesia reunida, em 2012. E, de outra parte, na Academia Rio-grandense de Letras, tem como confrades autores locais, casos de José Alberto Wenzel e Marli Silveira, bem como do santa-cruzense Nilson Luiz May e do rio-pardense Airton Ortiz, ambos radicados em Porto Alegre. E, claro, em Santa Cruz Élvio possui muitos amigos.
Nesta semana, em entrevista, detalhou para o Magazine algumas de suas impressões sobre o fazer poético e também suas referências e predileções literárias.
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Magazine – Neste ano, o senhor completa três décadas desde a estreia em publicação de poesia com “O almanaque das estações”, de 1993. Em que medida o seu fazer poético, ou o seu olhar sobre a poesia, foi mudando ao longo desse tempo?
O olhar sempre foi o mesmo (escrevo desde os 15 anos, e já lia grandes poetas). O que mudou foram as nuances… pois fui impondo-me um ritmo de aprendizado (usando de um neologismo, a liricardia). Ou seja: as pontuações dramáticas de um poema… reconhecendo suas pulsações…
Quais são as suas grandes referências em poesia, e suas maiores predileções na literatura?
Comecei lendo o Mario Quintana e a Cecília Meireles! O Drummond é um dos maiores poetas brasileiros… na companhia de Vinícius de Moraes e Manoel Bandeira. Os dois poetas mencionados nas minhas leituras… já guardavam os traços daquilo que eu pretendia escrever, pois o meu conterrâneo já trouxera aquela desolação… tão própria da literatura produzida na fronteira… e a poeta mineira uma medida exata entre a ternura e a espiritualidade… (em tempo: gosto dos poetas ingleses e de alguns franceses: T. S. Eliot, Emily Dickinson, Ezra Pound, Rimbaud, Paul Valéry, entre outros (as). Tenho até um livro do Valéry… intitulado Cemitério marinho. E dos sul-americanos (as) também: Pablo Neruda, Jorge Luis Borges, Alfonsina Storm, Violeta Parra…
O tom nostálgico é uma marca de sua poesia. O que ele representa em sua avaliação, e para o que ele sinaliza em seu olhar sobre a vida e o mundo?
Existe ao natural… uma marca melancólica nos poetas da fronteira. É só ler Lila Ripoll, Ernesto Wayne, Luiz de Miranda, Alceu Wamosi, Colmar Duarte, Hélio Ricciardi, Lacy Osório… entre outros(as). E até nos poetas do regionalismo persiste esse estado de graça ausente… lendo João Vargas, Aparício Silva Rillo, Antônio Augusto Fagundes…
A única explicação para este sentimento de nostalgia… está diretamente ligado a nossa alteridade… o que molda-nos num isolado pertencimento, e também as guerras sangrentas impulsionadas por áreas territoriais, deixando as cidades viúvas pelas mortes dos entes queridos…
Como o poema surge para o senhor?
Não sei bem se é surgimento ou aparição?! O poema é um eco… uma música que vem de longe… que transcende a nossa estada terrena de poeta… uma convocação mística! Exige muito mais que o conhecimento de linguagem… não é tão fácil como parece, fisgar um poema e materializá-lo na página…
Escrever poesia é também uma forma específica de olhar para a vida, para as relações, para o mundo?
Ser poeta… não é um estado de linguagem… é um estado de espírito… É doído ver o mundo com os olhos do poeta, pois, muitas vezes… nosso poema é vaticínio… é predição do caos. Dante provou através da Divina Comédia toda a decadência do pré-medievo e os seus (des) juízos…
A poesia é a sua via de expressão? O senhor chega a se exercitar, por exemplo, em ensaio ou têm planos de escrever narrativa?
Com quase 72 anos… meu plano é viver um pouco mais e com LUCIDEZ… A literatura para mim sempre foi um catártico ato de bravura… pois o Almanaque das estações… foi editado – através de um concurso do IEL – quando eu estava prestes a completar 42 anos. O poema – tal qual o conheço, em formato, síntese e sugestão – creio que findou… Não sei bem o que virá pelo mundo das letras… mas tenho gostado muito de prosas ensaiadas… No ano passado, em conversa com o Sérgio Faraco, amigo e conterrâneo, comuniquei-lhe que estava pensando em lançar para este ano um livro de obras completas, e ouvi: “Não faz isso!… E se tu voltares a escrever poemas, e aí… Como ficará?“ A resposta foi imediata: lanço um livro com o título A Volta da FIMlândia…
O senhor segue escrevendo, certo?
Como já tinha falado no bloco anterior… tenho gostado e escrito prosas ensaiadas… Neste exato momento, estou retocando uma para a posse de um novo acadêmico, do qual serei o paraninfo… e tenho que saudá-lo através de um texto…
Algum novo projeto cultural em andamento?
Sim. Estou ainda na fase de organização de um projeto via Lei Rouanet… sobre arte sacra. É a continuação… de um primeiro livro editado em 2004, via Fumproarte. Será mantida a mesma equipe, com os mesmos temas… salvo o fotógrafo, que ainda não está decidido. Será um trabalho direcionado à pesquisa… pois o livro anterior já fora editado com este foco… hoje, catalogado como referência no assunto.
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