Queria intitular esta crônica como a casa materna. Pensei um pouco mais e cheguei a cogitar a casa paterna. Meu propósito era escrever sobre o nosso berço, a casa em que nascemos, passamos ao menos a infância, da qual um dia partiríamos, mas que sempre, como um ímã, nos chamava de retorno, para nunca dela nos olvidarmos, porque, de fato, ela se encontrava (e ainda encontra) encravada no fundo dos nossos corações. Já que não era só da mãe ou só do pai, optei por a nossa casa.
Como é comum acontecer, muitas vezes só percebemos o encanto de um espaço quando o perdemos. De tão habituados, tão incorporados a ele, não nos sensibilizam as pequenas belezas que ali se criaram e desenvolveram para estabelecer perene morada em nossa história de vida, que então dava seus primeiros passos.
O entorno de nossa casa era suave, sereno, verde. A poucos metros, um terno riacho corria com singelo rumor para embalar nossos sonhos ou amenizar o calor nos abrasivos dias de verão. Uma interminável vertente despejava água dia e noite para os ofícios da casa. Árvores, sempre habitadas por pássaros em abundância, estavam ali como guardiãs de plantão a nos proteger. Eventualmente, pequenas e coloridas saracuras marcavam presença. Cigarras estridentes cortavam a sesta do verão. Verdes campos acolhiam o gado tranquilo a pastar.
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A cozinha, com o necessário e valente fogão a lenha, era o espaço dos encontros, das conversas, das refeições partilhadas de cada dia. A caixa de lenha servia também de banco para acomodar mais pessoas. Havia pequeno espaço atrás do fogão, fortemente disputado no tempo da invernia. De pé, mãos estendidas sobre a chapa ou sobre as panelas, em busca de aquecimento. Debaixo do fogão, o piso era de cerâmica. Mesmo assim, alguma brasa caborteira escapava, selando para sempre as tábuas do entorno.
Os demais espaços eram conhecidos como lá para dentro. Ali ficavam uma sala de refeições, uma sala de estar (pouco frequentada) e os quartos de dormir. No início, não havia luz elétrica. Baterias, ou mesmo lampiões a querosene, iluminavam tenuemente os ambientes nos quais, por conhecimento prévio, nos movíamos sem dificuldade.
No jardim, nossa mãe plantava flores: gérberas, lírios, gladíolos, rosas, gerânios, uma variedade multicolorida para embelezar o espaço e a vida. Na frente da casa, passava a estrada da qual provinha uma poeira impertinente a exigir muito trabalho na remoção sem fim. Todas as pessoas que passavam cumprimentavam quem enxergassem. Era considerado desfeita se alguém não seguisse essa liturgia.
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Há muito que não vejo nossa casa. Não tenho ânimo, ou coragem, para reavivar tantos retratos de encantamento e felicidade que ali fizeram morada para sempre. Por enquanto, prefiro que ela continue como lembrança doce, querida, que cada um guarda com a ternura e a gratidão que ela merece. Nossa casa nos abrigou não apenas do frio, da chuva, do sol inclemente, dos fantasmas infantis, mas, acima de tudo, fez brotar nossos definitivos projetos de vida que, por paradoxal que pareça, eram convites para abrirmos nossas asas e voar. Não que ela não nos quisesse mais. Era unicamente o recado para sabermos que ela não era uma prisão, mas o berço da liberdade.
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