No Dia Internacional da Mulher, reservo esta coluna para um sucinto olhar sobre a presença da mulher, como autora, na literatura brasileira. Se meu limite fosse o final do século 19, este espaço seria suficiente. A literatura, até então, era produzida por homens. Basta examinar alguns compêndios de história literária e aí praticamente não se encontram nomes femininos. E se aparece uma parnasiana Francisca Júlia, hoje ninguém sabe quem é.
O panorama começa a mudar no século 20, já a partir dos anos 30, mas acentuadamente algumas décadas depois. No Modernismo, ainda predomina a plêiade masculina com nomes conhecidos como Jorge Amado, Graciliano Ramos, José Lins do Rego, Erico Verissimo e, perdida na lista, desponta a jovem Raquel de Queiroz, que inscreve, ao lado de Vidas secas (de Graciliano), seu romance O quinze, obra que trata do mesmo drama, ou seja, a sofrida saga dos retirantes expulsos do sertão pela inclemência do tempo.
As tumultuadas primeiras décadas do século 20 provocaram profundas alterações na sociedade. A mulher, antes reclusa à casa, começa, ainda que lentamente, a assumir papéis antes apenas ocupados por homens. E nessa esteira entra a literatura. Lembremos que somente em 1977 a primeira mulher – Raquel de Queiroz – assumiu uma das quarenta cadeiras na Academia Brasileira de Letras, entidade criada em 1896.
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Há dois nomes altamente relevantes para consolidar a presença da mulher na literatura brasileira: Cecília Meireles (1901-1964) e Clarice Lispector (1920-1977). Cecília foi por vários anos professora primária (daí, penso, advenha o encanto de sua poesia infantil) ao mesmo tempo em que se dedicou a produzir uma literatura de beleza incomum. Sua poesia é suave, lírica, tem pendor religioso e se lança na profunda intimidade do ser, buscando a compreensão da vida, da morte, em constante indagação existencial. Já Clarice se dedica à prosa, deixando um expressivo (e por vezes complexo) conjunto de obras entre romances e contos. Para acessá-la, é interessante começar pelos contos, alguns verdadeiras obras-primas.
A partir dos anos 60, mas sobremaneira a partir de 1970, o naipe de autoras se enriqueceu extraordinariamente. Entram em cena Lygia Fagundes Telles com, só para citar dois, o romance As meninas (1973) e o consistente conjunto de contos de Antes do baile verde (1970), a doce Adélia Prado, Nélida Piñon, Hilda Hilst (“Não há silêncio bastante / Para o meu silêncio. / Nas prisões e nos conventos / Nas igrejas e na noite / Não há silêncio bastante / Para o meu silêncio”). A elas, logo se junta Lya Luft, em cujas obras a mulher também assume papel decisivo como personagem.
Não posso deixar de mencionar Letícia Wierzchowski. A casa das sete mulheres (2002), por exemplo, é obra marcante pelo fôlego, pela intensidade dramática, por mostrar o quanto o outro lado da guerra fere de morte a alma de quem fica e passa dias, meses, anos à espera de quem dá sentido à vida e talvez não volte nunca mais.
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Como mencionei, há centenas de mulheres escritoras no Brasil de hoje, muitas delas com alta qualidade, também em nossa região. Não há espaço para citá-las aqui, mas sintam-se incluídas nos poucos nomes que escolhi para prestar esta homenagem.
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