A morte da arte nos mata

Eu passei os últimos dias me perguntando: por que a morte de Paulo Gustavo dói tanto? Doeu em um país inteiro, nos lembrou da efemeridade da vida e levou para longe um astro da comédia. Muito mais que um número, assim como os mais de 419 mil outros brasileiros que perderam a vida para uma doença cruel, que deixa um rastro de dor por onde passa.

Aqui em casa, choramos. Como se ele fosse alguém próximo, de verdade. Mas, convenhamos, não tinha como segurar as lágrimas diante das homenagens. Não tinha como não soluçar diante da ideia de que Romeu e Gael não terão um dos pais ao lado enquanto crescem – ainda tão pequenos, nem entendem que ele não vai voltar. Não tinha como não deixar as lágrimas rolarem ao imaginar Thales olhando para o lado para dividir momentos especiais dos pequenos e não encontrando o marido ali.

Eu não conhecia Paulo Gustavo – mas sinto como se conhecesse. O homem, o pai, o artista. O superman da vida real que quebrou barreiras tão doloridas para a comunidade LGBT+ sem violência: ele derrubou preconceito com risadas e vida. Ele ensinou com vida porque era ele, na essência mais pura da palavra, vivendo. Casando e quebrando barreiras, tendo filhos e ensinando sobre respeito, criando obras sensacionais sobre famílias reais e fazendo milhares de pessoas entenderem que ser um membro da comunidade LGBT+ não te faz menos do que ninguém.

Eu sei que ele lutou para que o meu caminho não fosse tão difícil. Como uma mulher lésbica, sinto que Paulo Gustavo tornou mais tranquila a minha “saída do armário”. Mas este texto não é sobre mim: é sobre as milhares de pessoas que ele inspirou, ajudou. Os inúmeros meninos gays que se viram representados, as inúmeras mães que se viram na pele da dona Hermínia e entenderam que estava tudo bem.

Tudo vai ficar bem. Esse era o recado que Paulo Gustavo deixava nas famílias que tocava com seus personagens. E nem dá para começar a descrever a genialidade deste artista, que criava personagens tão únicos quanto ele mesmo. Faltam palavras para homenagear o suficiente.

É difícil homenagear o suficiente o homem devoto que fez uma doação de R$ 1,5 milhão para Obras Sociais Irmã Dulce (OSID), em Salvador. Que doou outros R$ 500 mil para enfrentamento da pandemia. O homem que não queria palco por ser bom e doar para quem precisava, só queria ajudar. Sempre quis ajudar a humanidade a ser um lugar melhor.

Pela primeira vez, em muitos anos, Paulo nos fez chorar de tristeza – em todas as outras vezes, as lágrimas eram de emoção ou de tanto rir. Essa era a sua vocação, não tenho dúvidas: espalhar alegria.

Cheguei à conclusão de que a morte de Paulo Gustavo dói tanto porque mata um pouquinho de cada de nós. A morte da arte nos mata. Quando uma vida tão iluminada acaba, o mundo todo fica um pouco menos alegre. A arte, tão necessária neste momento – e em todos os outros –, morre um pouco com a passagem de Paulo. Todos nós perdemos uma centelha de luz.

O único consolo plausível é lembrar que o legado de Paulo Gustavo vai viver para sempre entre nós. Sua presença física não é mais uma realidade, e quando parar de doer na gente, ainda vai fazer chorar a família deste artista tão especial. Que a família encontre forças para continuar vivendo e mantendo intacta a memória de Paulo Gustavo. Nunca esqueceremos das suas palavras: “Diga o quanto você ama a quem você ama. Mas não fica só na declaração, gente. Ame na prática, na ação. Amar é ação. Amar é arte.” Ele se fez eterno. No amor e na arte.