O Rio Grande do Sul tem consciência da importância dos chamados Sete Povos das Missões e do trabalho realizado pelos jesuítas junto aos índios no século 17. Mas talvez a região central do Estado não tenha clareza do papel que reduções instaladas nessa área, bem a leste do Rio Uruguai, e até do Jacuí, cumpriram, inclusive para delinear a realidade cultural e étnica hoje existente. Esse território era conhecido como Tape e, pelo Tratado de Tordesilhas, de 1494, era pertencente à Espanha.
Por aqui, nem uns nem outros saberiam até onde iam os limites. Com a chegada dos jesuítas, houve tentativas de catequizar ou converter os indígenas. As missões ou reduções jesuíticas foram aldeias onde, ao longo do sul da América, se reuniram os guaranis em trabalhos coletivos. As da fronteira ou do noroeste gaúcho, caso das ruínas de São Miguel, são referência.
Mas reduções foram implantadas em inúmeros outros pontos, algumas bem além do Jacuí, como cita José Roberto de Oliveira no livro Pedido de perdão ao triunfo da humanidade. Onde ficavam? Em Candelária! E Vera Cruz! A Redução Jesus Maria foi constituída pelo jesuíta espanhol Pedro Mola em local que atualmente ficaria entre Candelária e o Botucaraí. O lugar hoje é conhecido como Trincheira, na localidade de Curitiba, a 3,5 quilômetros da cidade.
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Foi uma das 18 da primeira fase das reduções, que chegaram a 30. Foi implantada em 1632, 80 anos antes que os portugueses se fixassem onde hoje está a cidade de Rio Pardo, ou 120 anos antes que os primeiros povoadores chegassem à atual Cachoeira do Sul. Além da Jesus Maria, próximo foi erguida, também em 1632, a Redução Sant’Ana, e perto da atual Vera Cruz ficava a Redução São Cristóvão, esta de 1634. A Jesus Maria era uma das mais prósperas dentre todas, e nela viviam cerca de 6 mil índios da nação Tupi-Guarani. Pode-se ter uma ideia da intensa movimentação, há quase 400 anos, em toda a região circunvizinha.
Foi o grande desenvolvimento da Redução Jesus Maria que atraiu os bandeirantes. No dia 3 de dezembro de 1636 foi arrasada pela bandeira comandada por ninguém menos do que o famigerado Antônio Raposo Tavares. Quem também menciona a pujança da Jesus Maria é o padre espanhol Antônio Ruiz de Montoya, em Conquista espiritual feita pelos religiosos da companhia de Jesus nas Províncias do Paraguai, Paraná, Uruguai e Tape, de 1639, o mais antigo livro a referir o território do atual Rio Grande do Sul.
Ou seja, muito, mas muito antes que qualquer pretensão colonizadora portuguesa atentasse no atual sul do Brasil, a região já contava com uma “cidade”, que, na época, certamente rivalizaria com regiões como Rio de Janeiro, Minas Gerais e São Paulo. E é algo para não ser esquecido jamais, inclusive em memória de todos aqueles primeiros legítimos habitantes desse território que acabaram perecendo. Em nome de que mesmo?
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