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Conheça histórias de luta de mães atípicas no mercado de trabalho

Foto: Rodrigo Assmann

Cristiane: apoio em casa e no trabalho tem sido fundamental para os cuidados com Leo. Hoje, pelas redes sociais, ela inspira e dá suporte a outras mães atípicas

Cristiane: apoio em casa e no trabalho tem sido fundamental para os cuidados com Leo. Hoje, pelas redes sociais, ela inspira e dá suporte a outras mães atípicas

Atípico é o termo comumente utilizado para descrever os familiares de pessoas diagnosticadas com o Transtorno do Espectro Autista (TEA). Nos últimos anos, o entendimento de que era necessário oferecer suporte não só para os autistas, mas também para as famílias, tem sido fomentado, especialmente às mães.

No período em que atuou como coordenadora do Departamento de Inclusão e do Centro de Autismo, a advogada Adriele Vargas constatou que a maioria das mães era abandonada pelos companheiros ao descobrirem o diagnóstico dos filhos. E mesmo nos casos em que o marido está presente, acabam sofrendo com a sobrecarga por acompanhar o tratamento.

“Essa realidade torna quase impossível a inserção dessas mães no mercado de trabalho, impactando diretamente sua saúde mental e sua vida financeira. Sem uma rede de apoio adequada e políticas públicas eficientes, muitas dessas mulheres enfrentam o isolamento e a exaustão e dificuldades para garantir o sustento da família”, afirma.

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Diante dessa realidade, as mães atípicas enfrentam obstáculos para se inserir no mercado de trabalho. O que torna a necessidade de uma rede de apoio, familiar ou externa, ainda mais importante.

Conforme Adriele, muitas mães recorrem ao trabalho informal para garantir o sustento e permitir o tratamento dos filhos. “O grande problema é que, no trabalho informal, não há direitos garantidos, como férias, descanso remunerado ou folgas aos finais de semana. Isso significa que essas mães trabalham sem parar, acumulando ainda mais desgaste físico e emocional”, explica.

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Na segunda reportagem da série Abril Azul, mães atípicas de Santa Cruz do Sul compartilham as suas vivências e os desafios de conciliar o emprego e o tratamento dos filhos. Expõem ainda as dificuldades e o preconceito que enfrentam no cotidiano.

Diagnóstico causou uma mudança profunda na rotina

Nos primeiros meses de vida, Leonardo Rafael Schuck, 6 anos, apresentava um bom desenvolvimento. Completou o primeiro ano falando algumas palavras e tinha certas habilidades. Entretanto, pouco antes dos 2 anos, ocorreu uma “poda neural” – um processo natural e crucial para o desenvolvimento, no qual o cérebro faz uma “limpeza” de neurônios que não estavam sendo utilizados – irregular. Com isso, Leo passou a perder as habilidades que havia adquirido.

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A situação chamou a atenção de sua mãe, Cristiane Schuck, que passou a notar sintomas comuns a crianças com TEA. “Ele fazia muitos movimentos repetitivos, caminhava na ponta dos pés, já não falava mais as palavras. Quando chamávamos, ele não atendia, parecia que não estava prestando atenção”, conta.

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Advogada especializada em Direito da Saúde, Cristiane relata a resistência inicial para fazer os exames. Familiares diziam que, por se tratar de um menino, ele poderia demorar a falar. Na época, o Brasil passava pelo isolamento provocado pela pandemia, dificultando o contato social e fazendo com que as crianças ficassem mais tempo em frente à televisão e outros aparelhos eletrônicos. “É uma resistência, porque ninguém quer o diagnóstico”, admite.

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Após consulta com um neuropediatra, veio a resposta. Cristiane e o marido Miguel Schuck tiveram um baque. Na época, não sabiam muito sobre o autismo e estavam inseguros de como seria dali para a frente. “Porque se tu tem um diagnóstico de câncer, por exemplo, tu vai receber o diagnóstico, vai saber o tipo de câncer, do tratamento, se tem cura ou não tem. E o autismo não. E aí não sabe se ele vai falar, se vai ser independente e ter uma vida funcional”, explica Cristiane.

A profissional viu sua vida ser completamente mudada. Ficou afastada um mês do escritório para tentar organizar a rotina de Leo, que necessitava de terapias multidisciplinares. “O clima em casa ficou muito pesado, pela angústia e o medo. E eu precisei me afastar, me reconectar e conciliar a terapia dele para então voltar a minha rotina.”

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Assim como muitas mães atípicas, Cristiane viu a sua saúde física e mental afetada. Sofreu crises de ansiedade e precisou de tratamento. Mais tarde, descobriu um melanoma que, após duas cirurgias, foi removido. “Eu não olhei para a minha saúde, olhava para a minha família. E nós não podemos nos descuidar nesse momento, só que é difícil”, ressalta.

Ciente de que precisava continuar a sua vida, Cristiane encarou os desafios e retornou ao escritório, incentivada pelo apoio do marido, dos familiares e dos sócios durante o afastamento. “Sou muito privilegiada por isso, meus sócios seguraram a barra. Agora, imagina quem não tem essa rede de apoio, está sozinha e não consegue tratamento pelo SUS?”

Capacitação para superar as barreiras

As barreiras impostas pelo diagnóstico foram sendo compreendidas e aos poucos superadas, contribuindo para o desenvolvimento de Leo. Aos 5, começou a falar. Pouco tempo depois, estava lendo, escrevendo e falando inglês.

Cristiane se capacitou para lidar com a rigidez cognitiva do TEA. Com isso, foi percebendo as habilidades do filho, algo que, para ela, muitos não fazem. “Nós focamos nas dificuldades e nos erros. Não percebemos que, por trás de um autista, existe uma pessoa.”

Essa visão, segundo ela, é estimulada pelo preconceito e julgamento das pessoas, que por falta de empatia querem dizer às mães como devem educar uma criança com TEA. “Há ainda um tabu muito grande por parte da sociedade. O que eu vejo é que a sociedade quer que a gente se encaixe em um padrão. E nós sofremos com isso, mas a sociedade não quer se adaptar.”

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Hoje, Cristiane, que também é presidente da Comissão Especial da Saúde da OAB/Subseção de Santa Cruz do Sul, utiliza suas redes sociais para falar abertamente sobre a rotina de Leo, inspirando e dando suporte a outras mães atípicas. “As mães devem olhar além do diagnóstico, potencializando as habilidades dos filhos, e não se limitar a focar em suas dificuldades. Cada pequena conquista é importante.”

Para ela, é necessário que essas mães tenham um suporte maior, por parte do poder público e do próprio mercado de trabalho, permitindo que possam acompanhar o tratamento dos filhos e não abandonem os empregos.

“Todos os dias precisamos lutar contra os olhares”

Com um ano e meio de vida, Theodoro Valentim Rathke, hoje com 7 anos, foi diagnosticado com TEA, nível 2, e o Transtorno Opositor Desafiador (TOD) – caracterizado pela desobediência, resistência e, eventualmente, hostilidade. Na época, a artesã Sabrine Thaís Rathke, de 32 anos, foi avisada pela escola na qual o filho estudava que ele não apresentava um “comportamento típico” para uma criança com a sua idade.

Theodoro, hoje com 7 anos, foi diagnosticado quando estava com um ano e meio

Apesar do baque de saber que era mãe de uma criança com necessidades especiais, Sabrine passou a buscar o atendimento completo para o filho. Devido à demora para conseguir os cuidados pelo Sistema Único de Saúde (SUS), precisou apelar para um plano privado, permitindo que Theo fizesse terapia diariamente. Os esforços da mãe solo resultaram que ele desenvolvesse, aos poucos, as capacidades cognitivas e motoras. Com 4 anos, começou a falar.

A jornada, entretanto, teve um custo. Além da sua saúde mental abalada, Sabrine precisou ajustar a rotina para estar presente e acompanhar o filho. Para ela, os desafios de trabalhar em um emprego formal se devem ao fato de que muitas vezes necessita acompanhar o filho na terapia, o que faria com que precisasse pedir muitos atestados.

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“Infelizmente, muitas empresas não entendem isso. É mais fácil contratar outra pessoa do que manter alguém que coloca atestados”, comenta. Diante disso, transformou um cômodo da sua casa, no Bairro Santo Antônio, em um estúdio onde fabrica produtos com resina. Nasceu a SR Resina, que vende uma diversidade de itens, de chaveiros a kits escolares.

O preconceito impactou ainda mais, agravado pelo afastamento de amigos e familiares. “Hoje, minha família é basicamente eu, o Theo e o meu pai. Muitos se afastaram, falavam que ele precisava apanhar, porque era birra”, afirmou.

Entretanto, o maior desafio para Sabrine é garantir que as leis sejam cumpridas – a impressão é de que existem somente no papel. “As aulas começaram em fevereiro, mas o Theo não está indo porque não tem monitor. Então, é uma luta muito difícil”, desabafa.

Sabrine transformou um cômodo da casa, no Bairro Santo Antônio, em um estúdio

Na sua avaliação, a sociedade não está preparada para lidar com autistas e, consequentemente, com as famílias atípicas. Exemplo disso é o julgamento que ocorre em situações do cotidiano. Uma ida ao mercado pode desestabilizar Theo e gerar uma crise, e os olhares acabam se voltando à mãe.
“Todos os dias temos que lutar. Lutar contra olhares da sociedade e contra pessoas que não têm o mínimo de respeito, empatia e entendimento”, afirma.

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