No dia 30 de setembro de 2012, o empresário Ediér Bernardini, 58 anos, foi encontrado morto, após ser amarrado e torturado em um dos portões de um galpão da empresa que dirigia, em Rincão do Mosquito, interior de Agudo. Desde então, a família luta por justiça. Três júris já foram marcados, mas nenhum concluído.
Um deles foi interrompido por abandono da defesa em meio ao procedimento e os demais por não comparecimento de advogados ou réus. O último estava marcado para o dia 31 do mês passado. Porém, o advogado Jean Severo, responsável pela defesa da suposta mandante do crime, não compareceu e o substituto, indicado pela Justiça, alegou motivos de foro íntimo para renunciar à defesa.
Na ocasião o assistente da acusação, Jorge Pohlmann, lamentou o adiamento, mas disse respeitar o rito processual. “O sentimento é de frustração”, comentou.
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O próximo júri ainda não tem data. A defesa da ré Rosangela Lipke solicita que seja marcado para abril, alegando que a acusada, gestante, só poderá comparecer após o nascimento do filho, esperado para o próximo mês. Rosângela deverá ser julgada junto com outro acusado, Valter André da Silva.
Além deles, Diones Crumenauer dos Santos e Gelson da Silva Grigolo também são acusados de envolvimento no homicídio, mas serão julgados separadamente porque estiveram foragidos e só foram encontrados mais tarde.
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Veja abaixo entrevistas com Gustavo Bernardini, filho da vítima, e com Jean Severo, advogado da acusada.
Gustavo “Tony” Bernardini
32 anos, filho de Ediér Bernardini
“Queremos encerrar este capítulo”
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À espera de respostas e um desfecho, a família não esconde a ansiedade. Em conversa com a Gazeta do Sul, o filho de Ediér, Gustavo “Tony” Bernardini, abriu o jogo. Ele contou como tem lidado com a demora na resolução do caso, com a liderança dos negócios e da família e com a falta do pai.
Gazeta do Sul – Como tem sido a rotina da família nesses últimos sete anos?
Gustavo Bernardini – A gente quer encerrar este capítulo porque sempre temos de reviver. Nas datas que se aproximam da época da morte do pai, a gente fica mais pensativo, mais aéreo. Eu diariamente convivo e trabalho no local onde ele foi assassinado, aqui dentro (da empresa). Morei aqui, nesta casa (na frente do galpão), até dezembro de 2019. Eu deveria ter saído antes porque você acaba lembrando sempre.
Este local foi idealizado pelo meu pai. A ideia dele era morar aqui, ter a empresa aos fundos, estar perto. Era o plano de aposentadoria dele. Fico aflito. Temos confiança de que ela (Rosangela) e os outros participantes no crime vão ser condenados porque há bastante material, várias provas contra eles. Só que aí começou essa novela das faltas.
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Vocês estão ansiosos pelo julgamento?
A justiça dos homens vai ser feita em algum momento. Eles têm seus carmas e devem pagar perante Deus. Eu acredito nisso. Sei que não traz ninguém de volta eles serem culpados pelo crime, mas é preciso que essas pessoas sejam responsabilizadas, saiam de circulação, porque a gente teme pela nossa própria segurança.
Essa demora pode ser resumida em uma única frase: parece que quem está pagando a pena somos nós, da família. A cada júri desmarcado é um sofrimento novo. Vêm familiares de Canoas, Sobradinho e outras regiões e a gente fica lá esperando como bobos, enquanto os réus estão soltos.
Neste agora, que foi desmarcado em 31 de janeiro, o Valter (um dos acusados) esteve lá, ficou na mesma distância que estamos aqui para assistir ao júri (na ocasião, apenas Rosangela seria julgada). A gente vê as pessoas impunes, enquanto nós ficamos à mercê de todo esse desrespeito.
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E como tem sido liderar a família e os negócios?
Quando recebi a notícia da morte do meu pai, eu morava em Porto Alegre, fazia pós-graduação. Embora conhecesse todo o processo administrativo da empresa, e minha mãe (Rejane) tocasse a contabilidade, meu pai cuidava da logística. Transporte é 100% operacional. Tu tens que conhecer peças, rotas, clientes, eu não sabia nada.
Além disso, tive que lidar com a perda do meu pai. Em seguida, começou uma investigação que apontava a Rosangela, o Valter, Diones e Gelson. Foi um período bem complicado. Pouco depois nós perdemos nosso avô, o pai do nosso pai. No dia em que saiu a sentença de prisão preventiva da Rosangela, ele faleceu.
Qual era a relação do seu pai com a acusada?
Eles tiveram uma relação extraconjugal. Até onde eu sei, essa relação começou por volta de 2005. Nós não tínhamos conhecimento. Mas a Rosangela ligou para a minha mãe na noite de Natal de 2009 e contou. Disse que estava com meu pai, que iria tomar conta da nossa casa. Meus pais resolveram se separar.
Ele abriu para mim e para minha irmã (Mirelle) tudo o que vinha acontecendo, comentou que já buscava se separar da Rosangela, acabar com esse relacionamento extraconjugal, mas que ela o ameaçava e começaram a brigar, mas ele seguia com ela, talvez por medo. Nesta época eles tiveram uma filha, mas meu pai nunca assumiu Rosangela como namorada, como companheira.
Como vocês encararam essa relação do seu pai com ela?
Para nós e meu pai, sempre ficou claro que a intenção dela era patrimonial. Uma vez ela criou uma página nas redes sociais, um perfil fake, que se chamava Rosangela Ediér Transportes Edini. Ela montou fotos comigo, com meu pai, minha irmã, como se fôssemos uma família. Essas fotos estão no processo, inclusive. Ela começou a fantasiar que seria a esposa dele.
Meu pai era um senhor respeitado, de prestígio, muito benquisto por todos. Ele começou a vê-la cada vez menos. Meu pai enfrentava dificuldades até para mandar dinheiro, para pagar a pensão alimentícia, até que no dia 11 de setembro de 2012 fixaram o reconhecimento de paternidade da criança, junto com a pensão definida (dois salários mínimos e meio).
Seu pai registrou boletim de ocorrência contra ela. Por quê?
Registrou mais de um. Em um deles, eu o levei na delegacia. Ele foi visitar a Rosangela. Ela fazia muito de colocar a criança chorando no telefone pedindo ajuda, como se estivesse precisando de algo e, ao chegar lá, a menina estava bem. Nesse mesmo dia, ela trancou meu pai num quarto, não sei como, tirou pertences dele, o celular e o relógio, e disse: “Viu como é fácil fazer alguma coisa contra ti”.
Ele conseguiu escapar, pulou uma janela e fugiu. Chegou em casa, me contou toda a história. Ele tinha medo dela. Era costume do meu pai se abrir para as pessoas. A maior queixa dele era esse caso, da Rosangela, que o perseguia. Ele tinha medo de morrer. Ela começou a ameaçar minha irmã também, falava para o meu pai: “Sua filha está sozinha lá em Canoas, pode acontecer alguma coisa”.
Teve um outro momento em que ela quebrou todo o painel do carro dele, o que também foi registrado. Hoje, olhando para trás, se você juntar as peças, consegue ver esse desfecho, da morte. Na época, a gente não acreditava que ela poderia chegar a esse limite de mandar matar.
Dos seus 24 anos para cá, que momentos seu pai perdeu, que momentos ele teria realizado ao seu lado e de sua irmã?
Penso todos os dias nele. Aqui na empresa, eu sempre tive a falta de alguém para discutir algum problema, buscar algum conselho. Houve momentos marcantes. Um deles foi o casamento da minha irmã, no início de 2018, quando o aio entrou conduzindo um caminhãozinho, com as alianças. Foi uma homenagem para o meu pai. Ele estava ali conosco.
Teve o nascimento da minha sobrinha, a Antônia, em setembro de 2019. Ela não vai ter o convívio com ele, com certeza seria a realização dele ter um neto ou neta. São momentos que a gente não vai ter. Se eu me casar, não terei meu pai lá.
As pessoas que trabalhavam com ele o adoravam, sempre muito carismático, alegre, e foi tirado dele e de nós o direito de ter momentos felizes. Ele ia parar de viajar naquele mês em que foi assassinado. A casa, onde hoje é a empresa, já estava pronta, com alguns móveis. A última parcela do caminhão em que ele viajava foi paga no dia 15 de setembro. Meu pai ia descansar, desfrutar do seu trabalho. Era o seu projeto, aposentar-se, parar de viajar, administrar a empresa e curtir mais a família, passear. Ele ia viver a vida. Eu o admirava. Das 6 horas, quando acordava, até as 21 horas ele estava trabalhando. Adorava o que fazia. Um batalhador.
Qual o legado deixado pelo Ediér?
O valor do trabalho. Eu sempre digo, nada resiste ao trabalho. Meu pai foi o primeiro aqui da região a construir uma sede de empresa para lidar com transporte. Tudo a custo de muito trabalho. Até mesmo quando foi morto, nós escutamos muita coisa ruim, suposições de que ele mexia com drogas. Em cidade pequena, quando qualquer pessoa cresce, sempre haverá alguém para falar que mexe com droga.
As pessoas não reconhecem o trabalho. Isso, inclusive, foi um argumento que a defesa sustentou, mas logo foi desmentido pela investigação, pela polícia. Eu, como filho, busquei essa resposta, conversei com delegados. O delegado chegou a falar no rádio, para a imprensa, que meu pai nunca esteve envolvido com nada ilícito. Podem inventar muitas histórias, mas é com o trabalho que se conquista as coisas.
Vocês esperam uma sentença para Rosangela?
A gente espera isso como um desfecho. Todo o mundo descansa nesse sentido, até a alma do meu pai terá um peso a menos para poder seguir. Há uma missão inacabada, que é essa questão.
Como vocês lidaram com os abandonos e faltas nos júris?
Não fomos respeitados em nenhum momento. É direito dela não ir ao julgamento. Se ela tem problemas de saúde, para se locomover, ela pode ficar em casa, mas o advogado tem de comparecer. Queremos que acelere, que termine essa história. O filho que ela tem na barriga não tem culpa de nada, porém não podemos protelar mais o sofrimento.
Como é a relação com a sua irmã mais nova, filha da Rosangela?
Vimos ela uma vez, quando fizemos o inventário do pai. Depois não tivemos mais contato. Decidimos não estabelecer esse vínculo por medo de que a Rosangela, a partir desse canal aberto com a menina, viesse a praticar as mesmas ameaças que fez com nosso pai.
É uma judiaria. Me corta o coração saber que eu poderia dar suporte, estudo, ensinar valores que o pai passou para nós, mas temo que, no momento desse vínculo, voltaremos a viver um inferno como nos últimos dois anos do meu pai vivo. Ela ligava cem vezes para cada um, por dia. E quando eu digo cem, é possível que tenham sido mesmo. Se ela não conseguia conversar com meu pai, ligava para mim, para minha irmã, conseguia telefone de funcionários, de amigos.
O que mudaria se Rosangela estivesse presa?
Seria um desfecho para a família se sentir segura, para buscar retomar o contato com a menina, conversar com a avó dela, a mãe da Rosangela, que hoje tem a guarda da criança. Com essa segurança, muda toda a história.
Tu nunca achas que vai acontecer. A guarda hoje está com a avó porque ela (Rosangela) ameaçou de morte os próprios pais, pedindo que devolvessem a filha. Tem BO disso, está registrado no processo. Ela disse na porta da casa deles, “vou fazer com vocês o mesmo que fiz com Ediér”, está registrado com essa frase na ocorrência. Se a pessoa é capaz de ameaçar os pais de colocar fogo em uma casa, de pôr a vida em risco da filha, ela pode tudo.
Temos medo dela. Ela sendo presa, seria um alivio, uma paz para nossa família. A ferida nunca será fechada, mas estanca nossa agonia. Meu pai vai poder descansar.
Jean Severo
Advogado criminalista encarregado da defesa de Rosangela
“Acreditamos plenamente na inocência da Rosangela”
Procurada pela reportagem, Rosangela Lipke não quis dar entrevista alegando motivos de saúde e optou por se manifestar por meio do seu advogado de defesa.
Gazeta do Sul – Já tem data para o próximo júri? Qual a sugestão da defesa?
Jean Severo – Ainda não tem data, mas sugerimos que seja marcado para abril porque a Rosangela já vai ter dado à luz, portanto ela não terá mais risco de saúde. Nossa sugestão é abril, e vamos comparecer.
Quais são as provas a favor da Rosangela?
É melhor dizer que não existem provas contra a Rosangela. O que acontece: há duas testemunhas de acusação que dão dois depoimentos diferentes e não conseguem afirmar que era a Rosangela quem estava dentro do bar com os supostos executores. A única coisa que existe é que a Rosangela fez uma ocorrência de Maria da Penha contra a vítima.
O Ediér, sabendo disso, fez uma ocorrência dizendo que podia sofrer alguma tentativa de homicídio. Então, é só isso que eles (a acusação) têm. Pelo que me consta, a ocorrência foi registrada pela viúva, a esposa do Ediér. A partir disso, a polícia passou a investigar e chegou na Rosangela. É um absurdo. A viúva, que já tinha problema pessoal com a Rosangela, por conta de ela ser amante do Ediér, faz uma ocorrência alegando que ela mataria ele. É um absurdo.
Qual a razão dos não comparecimentos? É estratégia de defesa?
A primeira vez que não compareci, tive um problema semelhante ao advogado de defesa do Valter (afastado por causa de uma cirurgia). Para mim, o promotor aplica multa, para o outro não. Há um problema aí. Por que ele não age de maneira igual para os dois lados? Nesta última, não compareci porque a Rosangela estava hospitalizada. A Rosangela tem o direito. Ela quer comparecer ao julgamento para se produzir uma defesa adequada junto com seu advogado. Ela quer estar junto na audiência. Agora, doente e internada, não tem como ir.
Para a defesa, ela é inocente?
Acredito plenamente na inocência dela. Se ela for condenada, vamos recorrer até as últimas instâncias, porque é um processo frágil, que não tem robustez, tem testemunhas conflitantes que dizem que uma hora é a Rosangela, mas pode não ser ela, e há uma ocorrência da ex-mulher do Ediér dizendo que eles tinham medo da Rosangela, mas fizeram isso depois que a minha cliente fez uma Maria da Penha contra o Ediér. É isso que tem.
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