A jovem mãe, a solidão e os mosquitos

Em São Leopoldo, o colégio São José, das irmãs franciscanas, decidiu lotear uma área que se transformou no Bairro São José. Eu tinha uma casa lá. Num dia de verão escaldante, estávamos, eu e meus filhos, jogando no nosso pátio. Eis que a bola foi para o terreno vizinho. Essa casa estava alugada para um casal alemão. Parecia sempre fechada.

Saí pela calçada e apertei a campainha. Nada. Insisti. Até que surgiu uma moça muito jovem, loira, rosto muito vermelho, carinha de choro que vou te dizer. Falei com ela em alemão e pedi licença para buscar a bola.

– Was ist los? perguntei. (o que há)

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– kommen sie herein, bitte, disse ela, me convidando para entrar.

Na sala havia um berço com um gordinho e rosado bebê, só de fraldas, olhinhos azuis, todo picado de mosquitos. Um calor bárbaro. Ela abanando o bebê. Me disse que estava desesperada, não tinha nada para fazer, o marido passava o dia fora, estava com saudade dos pais e queria que eu lhe desse o número do telefone de um taxista de confiança. Queria ir ao aeroporto e voltar para a Alemanha.

Falei para ela se acalmar, estava evidente a depressão. Não sabendo o que fazer, peguei a bola e lhe dei tchau. Fiquei com pena daquela guria que poderia ser minha filha. As lágrimas dela me cortaram o coração. Mas é claro que não alonguei a conversa, mesmo porque poderia ser mal interpretado. Os dias se seguiram.

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Uma bela manhã chamei um táxi para me levar ao aeroporto em Porto Alegre. Lá pelas tantas o motorista me falou:

– Semana passada, eu carreguei sua vizinha e o nenê para o aeroporto. Estranhei que ela não tinha mala. Só a criança e uma mochilinha. Balbuciou que tinha muita pressa, ia pegar um avião para o Rio de Janeiro.

Na volta da viagem me informei. A moça, cansada de passar o dia sozinha, simplesmente deixou tudo para trás, menos o nenê, e voltou para a terra dela. Aí pensei: e nossos antepassados? Seu bilhete era sem volta. Quantos e quantas terão chorado de saudade da Heimat?

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Naqueles tempos, a única solução era espantar os mosquitos, secar as lágrimas, ter fé, rezar e trabalhar. E, como se verificou, acabaram, em grande maioria, vencendo e se adaptando. Por sinal, quando as terras ficaram escassas na região de Santa Cruz, muitos colonos, inclusive parentes de minha mãe, partiram para o oeste de Santa Catarina. Quando vinham para nos visitar, muito esporadicamente, contavam as dificuldades.

Contei isso aos meus parentes distantes na Alemanha em Zeltingen Rachtig, que muito se admiraram. Quanto à moça, a culpa não foi dos mosquitos nem do calor. Foi da solidão.

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Heloísa Corrêa

Heloisa Corrêa nasceu em 9 de junho de 1993, em Candelária, no Rio Grande do Sul. Tem formação técnica em magistério e graduação em Comunicação Social, com habilitação em Jornalismo. Trabalha em redações jornalísticas desde 2013, passando por cargos como estagiária, repórter e coordenadora de redação. Entre 2018 e 2019, teve experiência com Marketing de Conteúdo. Desde 2021, trabalha na Gazeta Grupo de Comunicações, com foco no Portal Gaz. Nessa unidade, desde fevereiro de 2023, atua como editora-executiva.

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