Autor de vasta obra, Erico Verissimo (1905-1975) é um dos grandes nomes da literatura brasileira. O tempo e o vento, dividido em três partes – O continente (1949), O retrato (1951) e O arquipélago (1961-2) – responde por sua produção de maior destaque (quem não leu, tem uma dívida cultural consigo mesmo, costumo afirmar), mas há outros romances que vale a pena conhecer, ler. Cito apenas O resto é silêncio, Noite e Incidente em Antares.
Um dos meus favoritos é Olhai os lírios do campo (1938). O médico Eugênio Fontes recebe a notícia de que Olívia, sua colega dos tempos de faculdade, com a qual manteve um relacionamento casual resultando na filha Anamaria, está num hospital prestes a morrer e quer vê-lo com urgência. Eugênio a trocara por Eunice, filha de um rico empresário, unicamente por interesse financeiro, tentando apagar da memória a vida miserável que tivera ao longo da infância e da juventude.
Na viagem até o hospital, percorre momentos marcantes de sua vida. Entre esses está um episódio ocorrido na escola. “Foi no pátio da escola, à hora do recreio, Eugênio abaixou-se para apanhar a bola de pano, e de repente atrás dele alguém gritou: – O Genoca tá com as carça furada no fiofó!”. A escola inteira caiu na gargalhada e em coro os colegas (a maioria bem aquinhoados) lhe impuseram dolorida humilhação. Eugênio mergulhou em profunda tristeza. Chorou. O pai era pobre, não havia dinheiro para comprar roupa melhor. A mãe certamente não havia visto o problema. Vivendo no meio da penúria, Eugênio se promete um outro patamar de vida, o que consegue pondo a busca de dinheiro acima de qualquer valor, como, por exemplo, o amor.
Publicidade
O episódio da infância de Eugênio, o Genoca, se assemelha à história de muitas pessoas. Era comum que calças furadas fossem remendadas com restos de tecido que estavam à mão, muitas vezes sem nenhuma afinidade. Não havia recursos para adquirir roupa nova; então, as mães consertavam até o aproveitamento final. Algumas, habilidosas, obtinham bom resultado; outras, sem preocupação estética maior, se contentavam com tapar o furo. Eu não me recordo de humilhações na escola, até porque praticamente todos estavam nas mesmas condições. Chinelos de dedo às vezes tinham mais arame do que borracha. Sapatos com sola rompida eram socorridos por pedaços de papelão ou jornal dobrado.
E eis que a passagem do tempo autorizou a calça rasgada. Quando a indústria ainda não se dera conta desse fenômeno, muitos customizavam a peça, passando horas lixando alguma parte até aparecer a requerida fissura final. No princípio, sinal de rebeldia ou provocação, agora moda generalizada e universal. Quem, principalmente entre os jovens, não vestir um jeans sem ao menos seis ou sete frestas, está fora de moda. Calça rompida, hoje, é símbolo de modernidade, autoafirmação, juventude. Em vez de vaiado, Genoca seria aplaudido, copiado, invejado. Teria sua revanche.
Talvez a moda não caia bem para todos, não agrade a muitos, que a desaprovam. Que cada um se vista da forma que melhor lhe convier, todavia sem esquecer uma passagem da Obra poética, do poeta latino Horácio: “Não se atribua a um jovem o quinhão (a parte) da velhice, nem a um menino o de um adulto; a personagem manterá sempre o feitio próprio e conveniente a cada quadra da vida.”
Publicidade
LEIA MAIS COLUNAS DE ELENOR SCHNEIDER
This website uses cookies.