Talvez, noutro tempo, fosse megalomania ver Santa Cruz do Sul como um “polo audiovisual”. As tecnologias de produção, o fortalecimento da disciplina na universidade e o surgimento do Festival como espaço de debate transformaram essa realidade. O resultado pôde ser visto nessa segunda-feira, 29, na primeira sessão do Festival de Cinema de Santa Cruz, na Mostra Olhares Daqui.

Realizados na pandemia, os quatro curtas de ficção e dois documentários partilham uma pauta comum a esse tempo: a luta dos indivíduos para se libertarem de prisões figuradas. São personagens que ergueram tais barreiras, e que se veem, de formas bem distintas em cada filme, compelidos a transgredir e a romper com as barreiras que lhes restringem.

LEIA MAIS: Gazeta terá as críticas dos curtas exibidos no Festival Santa Cruz de Cinema

Publicidade

O amadurecimento é uma ruptura de barreiras. Provavelmente por identificação com os também jovens realizadores, são três os curtas ficcionais no gênero “coming of age” – Cacicus, Paraíso para Duas e Não há Ninguém Perto de Você.

Cacicus e Paraíso têm em foco a homossexualidade feminina, centrando-se em personagens que precisam vencer seus medos para dar vazão ao desejo. O primeiro usa com destreza som e cenário para expressar a opressão sobre a protagonista: por trabalhar na lavanderia do pai religioso, Laura reprime seus desejos – até encontrar bilhetes nas roupas para lavagem; são de Camila, que lhe propõe um encontro. Barreiras análogas impõem-se diante do desejo das garotas de Paraíso: o curta, sem falas, mostra duas alunas de arte que flertam por meio de seus desenhos, num processo de construção e projeção mútua do objeto de desejo.

Finais felizes: Laura e Camila têm uma noite que muda a vida de Laura por lhe permitir ser ela mesma, e as jovens artistas visuais trocam carícias antes de sua aula matinal. Entretanto, Não há Ninguém Perto de Você deixa outro sabor, mais agridoce. Mudam também a prisão e a fuga: deprimido, o jovem protagonista é provocado a sair de seu claustro por uma amiga que o visita. Morando em Porto Alegre, a garota quer que o amigo vá morar com ela – ao longo de uma noite inesquecível, porém, a ideia cai por terra: há sentimentos inomináveis que pairam sobre eles, e que os dois preferem silenciar por medo de se entregarem.

Publicidade

LEIA MAIS: Produções da região são destaque na primeira noite do Festival de Cinema

O curta destoa dos anteriores por não materializar a pulsão sexual: ele supera a barreira de casa, mas não a do medo. Numa vida de indecisão, a inércia resulta da impossibilidade de tomar decisões drásticas. O amor da amiga representa a vida na capital, aventura, transformação, busca pelo novo; em oposição, a sedutora zona de conforto a acalentá-lo.

Os moradores de rua abrigados em albergues e mostrados em O Teto das Ruas também têm planos de fuga: querem voltar à vida que tinham antes de irem às ruas. De forma respeitosa, a direção não questiona as falas; o que temos é a versão deles, e nada mais, como verdade consolidada. Os personagens não saem do albergue, mas são vacinados. O registro é riquíssimo e humano: se não se pode acessar a tal nova vida, resta a esperança.

Publicidade

Fora de competição, Aquele da Paixão apresenta o sambista santa-cruzense Eloir Guedes, o Lói. Repetindo o formato de seu curta Pobre Preto Puto, o diretor Diego Tafarel (junto ao codiretor, Zé Corrêa) propõe um exercício de empatia, ao expor um retrato delicado de seu personagem. Sem ver a contundência social do curta anterior, o espectador apaixona-se por Lói, que domina a tela com sua vivacidade.

Finalmente, a ficção Enquanto eu Respirar chama atenção pela ousadia no gênero da ficção científica. Com soluções visuais criativas, o realizador mantém um registro coerente sobre solidão e perda. A ousadia na estética não tem, contudo, par na dramaturgia, presa a valores de ampla assimilação no gênero escolhido. De todo modo, os méritos na construção visual do curta devem ser valorizados.

*Pedro Guindani é produtor, roteirista e diretor em cinema e televisão.

Publicidade

LEIA MAIS: Confira a programação completa do Festival Santa Cruz de Cinema

Quer receber as principais notícias de Santa Cruz do Sul e região direto no seu celular? Entre na nossa comunidade no WhatsApp! O serviço é gratuito e fácil de usar. Basta CLICAR AQUI. Você também pode participar dos grupos de polícia, política, Santa Cruz e Vale do Rio Pardo 📲 Também temos um canal no Telegram! Para acessar, clique em: t.me/portal_gaz. Ainda não é assinante Gazeta? Clique aqui e faça sua assinatura agora!

Publicidade

Naiara Silveira

Jornalista formada pela Universidade de Santa Cruz do Sul em 2019, atuo no Portal Gaz desde 2016, tendo passado pelos cargos de estagiária, repórter e, mais recentemente, editora multimídia. Pós-graduada em Produção de Conteúdo e Análise de Mídias Digitais, tenho afinidade com criação de conteúdo para redes sociais, planejamento digital e copywriting. Além disso, tive a oportunidade de desenvolver habilidades nas mais diversas áreas ao longo da carreira, como produção de textos variados, locução, apresentação em vídeo (ao vivo e gravado), edição de imagens e vídeos, produção (bastidores), entre outras.

Share
Published by
Naiara Silveira

This website uses cookies.