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Após acidente

A história de superação da menina de 7 anos que ficou internada durante cinco meses

Foto: Lula Helfer

Maquiada e até com tiara de princesa, Júlia esbanjou bom humor em conversa com a Gazeta

Esta não é uma história qualquer. É a história da santa-cruzense Júlia Mendonça, uma menina guerreira, de 7 anos, que até virou fada em livros infantis e se tornou exemplo de bravura. Há uma tragédia e momentos em que a vida dela esteve por um fio. Mas a fé acima de tudo fez a vida prevalecer.

Sobrevivente de um acidente que matou a mãe, a madrinha e um primo, Júlia ficou cinco meses internada em hospitais de Porto Alegre e ganhou alta há pouco mais de uma semana.

Já em casa, no Bairro São João, em Santa Cruz do Sul, Júlia aguarda ansiosa pelo retorno ao convívio com amigos e colegas. A Gazeta do Sul visitou a menina nessa terça-feira, 10, e, numa conversa com ela e o pai, Diogo Vieira, 40, teve acesso a um relato tão comovente quanto inspirador.

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O acidente
No dia 20 de setembro do ano passado, um acidente de trânsito na RSC-471, em Encruzilhada do Sul, matou três pessoas e deixou duas crianças gravemente feridas. A colisão envolveu um carro e um caminhão. A condutora do veículo, Silmara de Oliveira, de 27 anos, madrinha de Júlia, e a mãe da menina, Ivanete Mendonça, de 32, caroneira, morreram no local.

Júlia e outras duas crianças estavam no banco de trás e foram socorridas. Thomas de Oliveira, de 1 ano e 4 meses, morreu a caminho do hospital. As primas Tainá de Oliveira Mendonça, de 8 anos, e Júlia Mendonça, 7, foram removidas por ambulâncias do Samu e receberam atendimento no Hospital de Encruzilhada.

Mais tarde, as duas foram transferidas para Porto Alegre. Tainá sofreu múltiplas fraturas no acidente, mas ficou menos tempo hospitalizada. Júlia teve uma laceração abdominal e fraturas, e ficou cinco meses internada.

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As conclusões da polícia
Segundo a a delegada de polícia de Encruzilhada do Sul, Raquel Schneider, não houve indiciamentos em decorrência do acidente. Conforme apurado, a condutora do veículo, Silmara, madrinha de Júlia que morreu no local, tentou desviar de uma fila de veículos e acabou colidindo frontalmente com um caminhão que vinha no sentido contrário.

COMO AJUDAR
Em razão do acidente, a menina Júlia teve que amputar a perna direita. Por isso, ela utiliza uma cadeira de rodas, emprestada pelo Hospital de Clínicas, de Porto Alegre. A família fez a solicitação de outra cadeira junto à Prefeitura de Santa Cruz e está aguardando retorno.

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Júlia também precisa de medicação constante. Alguns remédios são obtidos junto à Prefeitura, mas os demais são comprados pela família. Além disso, a menina precisa fazer curativos a cada 48 horas. Quem quiser ajudar pode entrar em contato com o pai da menina, pelo telefone: (51) 99772 4977.

ENTREVISTA – Diogo Matos Vieira e Júlia Mendonça

Gazeta do Sul – Por onde começamos a história da Júlia?
Diogo Matos Vieira – É uma história de tragédia, de luta, mas de muita superação. A Júlia foi vítima de um acidente onde, infelizmente, perdeu a mãe, a dinda e o priminho. Ela é uma guerreira desde todo o processo. A luta pela vida foi muito grande. Ela foi levada às pressas para Encruzilhada do Sul e, no mesmo dia, encaminhada ao Hospital de Pronto Socorro (HPS) em Porto Alegre. Lá ficou os primeiros 80 dias lutando pela vida, 80 dias de angústia, medo, desespero. Dias de sensações que qualquer pessoa não desejaria nem para o seu pior inimigo. A possibilidade de a perdermos era muito grande. Os médicos disseram que ela tinha 2% de chance de viver. Hoje, está aqui conosco. O técnico de enfermagem que a acompanhou na ambulância disse que, na altura da ponte do Guaíba, ela começou a entrar em óbito. A ambulância precisava chegar no HPS em até cinco minutos. Levaram mais do que esse tempo. Na primeira reanimação, ela já deu resposta. Mas a correria continuou a partir disso.

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Como receberam a notícia de que teriam que amputar uma perna dela?
Diogo –
Na madrugada de sexta para sábado, eu observei que a perna dela estava gelada, com uma temperatura diferente. O médico fez exames e constatou que o cinto (de dois pontos), que dilacerou o abdômen dela, também cortou uma artéria que irriga a perna direita. No domingo pela manhã, eles me comunicaram: “Nós não temos opção, vamos ter que amputar a perna da Júlia e precisamos da tua assinatura”. Mais um desespero, uma nova angústia. Num primeiro momento a amputação seria acima do joelho, mas essa parte também estava comprometida. Já não tinha mais sangue. Passada a cirurgia, a médica chamou a mim e minha esposa, Jaqueline, e afirmou: “A Júlia não vai amanhecer. Não há como, é muito grave”. Não aceitei. Respeito o conhecimento médico, mas se fosse para a Júlia ter partido, teria sido no acidente. Eu acredito em um Deus. Me apeguei na minha fé.
Júlia Mendonça – Nós fomos, eu e o meu pai, em uma igreja em Porto Alegre, atrás do Pronto Socorro. Acendemos uma vela para a minha mãe, para a dinda, para o primo, para a vó. Rezamos para toda a nossa família.

Para um pai, como é receber uma notícia dessas, de que a filha não resistiria?
Diogo –
Nessa noite, de um domingo, fiquei ao lado dela o tempo todo. Os médicos disseram: “Ela te ouve, cuidado com o que você falar”. Fiquei a noite toda de mãos dadas, buscando passar paz e tranquilidade. “Eu estou contigo, não vou desistir, a gente vai conseguir”. Ela amanheceu. Essa foi a primeira vez que ela venceu os prognósticos. Na quinta-feira, foi diagnosticada com uma infecção generalizada. O quadro era pior do que quando havia chegado no hospital. Os médicos, novamente, me chamaram: “Fala com teus familiares, para organizarem o funeral”. Retruquei: “Ela vai conseguir, é muito forte”.
Quinze dias depois, ela venceu a bactéria. Em alguns dias, a Júlia foi diagnosticada com hidrocefalia, excesso de água no cérebro. Houve um deslocamento das vértebras do pescoço, c1 e c2. Foi um período complicado, muitas vezes, só eu acreditava que ela iria sobreviver. Procurei manter a fé, isso foi inabalável.

Em algum momento você chegou a temer que perderia a Júlia?
Diogo
– Em uma quinta-feira, a Júlia teve uma queda muito grande no quadro de saúde. Estava com hemorragia interna. A artéria que haviam “refeito” se rompeu. Com a graça de Deus, não teve nenhuma falência de órgãos. Era a 17ª cirurgia que ela enfrentava desde o acidente. Quando o médico abriu a porta, mais uma vez, pediu para eu me despedir da minha filha. “Aproveite o resto da tarde com a Júlia. Não tem como, Diogo, ela está cansada, é muita coisa.” Os psicólogos vieram conversar comigo, me preparando. Ficamos em uma antessala. Dez minutos depois, desceram o anestesista e o médico que a operou, correndo para a Unidade de Tratamento Intensivo (UTI). A Júlia estava com outra hemorragia interna, em outro local. Minha tensão era grande, tive cãibras, minhas pernas não respondiam. Caí no chão.
Na saída da cirurgia, o médico me disse: “Te segura com a tua fé, pois é tudo o que temos. Fizemos o que está ao nosso alcance”. Fui para a antessala, onde havia mais pessoas, familiares de outras crianças. Pedi licença, coloquei meus joelhos no chão e rezei. Foi o momento de maior angústia na minha vida, de muito medo. Eu falei com Deus. Disse que, se realmente ela estivesse cansada e quisesse ir embora com a mãe, eu ia ter que aceitar. Pai nenhum quer ver seu filho passar pelo que eu vi a Júlia passar. Eu estava entregando ela nas mãos de Deus.
A partir daí, depois de duas horas na UTI, ela se recuperou. Na segunda hemorragia, quando foi para a cirurgia, a enfermeira responsável solicitou que já higienizassem o quarto dela. Eles não acreditavam na força da Júlia. Depois que voltamos ao quarto, a enfermeira me deu um abraço e disse: “Em 17 anos, nunca vi nada igual”.

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A Júlia passou também por uma cirurgia na coluna?
Diogo –
Após 80 dias, ela foi transferida para o Hospital de Clínicas. Lá tem um dos melhores especialistas nessa área. Ela não tinha sustentação no pescoço. Não tinha força. Não é comum operar esse tipo de quadro, por ser uma região muito sensível. Eles (os médicos) diziam que ela ia se tornar “robozinho”, para movimentar o rosto, teria que virar o corpo. Desmentiu mais um médico, não foi, Júlia? (Pai e filha se cumprimentam e comemoram – foto abaixo).
Júlia – Meu pai não sabe pintar unha e passar batom. Ele borra tudo. Deixava meus dentes todos cor-de-rosa.
Diogo – (Rindo) Até isso eu tive que aprender.

Foto: Lula Helfer

O que vocês faziam para passar o tempo no hospital?
Júlia –
Meu pai ficava brincando no quarto. Se vestiu até de Frozen. Ele era um bagunceiro. Rolava, passava embaixo da cama. Não parava.
Eu passava o tempo assistindo vídeos e ouvindo música. Gosto muito da banda Melim. Minhas (canções) preferidas são “Meu abrigo” e “Gelo”. Outra música que sou apaixonada é a “Florzinha” (do Marcelo Seffrin). Uma médica minha amiga me deu uma Nutella e um Mac Lanche. O meu pai disse que não gostava de Nutella, mas nunca tinha provado. Agora ele quer também.
Diogo – Em uma das sessões de fisioterapia, a psicóloga observou que ela reagia e demonstrava mais ânimo com música. Ela cantarolava as músicas enquanto fazia os movimentos.
Júlia – Tu sabe que eu tenho contato com gente famosa? Tem gente famosa que fala comigo pelo celular!

Agora fiquei curioso. Me mostra quem são, o que vocês conversam?
Júlia – Eu ganhei um vídeo muito especial da Banda Melim, que eles cantam para mim. Tem também outro cara muito famoso, muito legal. O Jackson Follmann, que tem uma história muito bonita. Tem uma modelo, ela também teve uma perna amputada e leva uma vida normal. Desfila em todos os países, a Paola Antonini.

Rodrigo Melim gravou vídeo para Júlia | Imagens: Arquivo Pessoal

Que bonito, Júlia! Tem alguma homenagem que tu mais gostaste?
Júlia –
Sou embaixadora de um time de futebol! Havanas Futebol Clube.
Diogo – Criamos essa equipe há seis anos, eu e dois amigos. A Júlia frequentava os jogos desde os 2 anos. O time joga algumas competições no Clube União. Em uma delas, eles prestaram uma homenagem para a Júlia, a torcedora número 1. É uma camisa de passeio com uma mensagem, um apoio a ela.
No dia da final de uma das competições, eu gravei um vídeo da Júlia falando que um dos principais motivos de alegria era receber notícias do time. Esse vídeo foi para o vestiário antes do jogo, todos entraram como uns leões e foram campeões.
Júlia – Eu também me tornei fada em um livro. A amiga da minha professora Claudinha (Cláudia D’Avila) escreveu o livro “Pryn e Dyn: uma aventura no Bosque da Lua” (Silvane Hamill). Um dos personagens é uma fada, que sou eu. Além desse, eu também vou escrever um livro meu, com a minha história.
Diogo – A produção será coordenada pela professora Claudinha. A história vai contar a luta da Júlia, essa força que ela tem, o amor pela vida, mas principalmente o exemplo de superação.

Como é estar em casa? Como é tua convivência com o teu pai, tuas irmãs?
Júlia –
É bom. Contava os dias para poder voltar. As minhas melhores amigas, Iasmin e Larissa, vieram na minha festa de boas-vindas. Veio toda a minha família, até minha prima que também sobreviveu ao acidente, a Tainá. Nos damos muito bem, todo mundo dá risada (Júlia mora com o pai, a irmã Antonella, 2 anos, a madrasta Jaqueline Fátima Pereira, 30 anos, e as irmãs do coração, Camile e Caroline Pereira Leal, 13 e 11 anos, respectivamente).
Diogo – Ela e a Jaqueline têm uma relação muito próxima. A Jaque esteve do nosso lado em todos os momentos. Em uma tarde, lá no hospital, a Juju pediu para conversar com a Jaque.

O que vocês conversaram, Júlia?
Júlia –
Eu disse que amo ela. Disse que eu gosto muito dela, que se ela quiser me adotar, eu quero ser filha dela também. A Jaque é minha mãe do coração.
Diogo – Eu me emociono com ela todos os dias. São gestos gigantes. Teve uma vez que fomos na igreja, no hospital, e a Júlia me disse que conversou com “Papai do Céu” e viu a mãe dela. Disse que tinha duas escolhas: ir com a mãe ou ficar comigo.
Júlia – Eu não podia deixar ele. Meu pai me deu força.

Recepção da menina, após cinco meses, contou com toda a família | Imagens: Arquivo Pessoal

Qual a condição da Júlia hoje, como é a rotina?
Diogo –
Eu me dedico a ela 100%. Eu pedi a Deus para a Júlia ficar. Hoje não tenho como trabalhar porque ela precisa de um amparo. Ela toma medicamentos às 8 ,12, 15, 16, 18 e 20 horas, e à meia-noite. Além disso, tem a sonda, que temos que trocar três vezes ao dia.
Os curativos nos machucados são feitos a cada 48 horas. Nossa situação financeira é preocupante. Nesses quase seis meses, passei 24 horas por dia com ela no hospital. Nós nos mantemos com uma pensão da mãe e o salário da Jaque, que trabalha como porteira.
Estamos tendo um acompanhamento através do Hospital de Clínicas. A Prefeitura vai disponibilizar ambulâncias para que possamos ir a Porto Alegre. O grande entrave são as acomodações aqui em casa. Como a Júlia não morava comigo, morava com a mãe, eu iniciei uma obra no piso de baixo para acomodar todos da melhor forma. A ideia é fazer dois quartos no andar de baixo e esse de cima vamos pintar de rosa. Vai ser o quarto da Júlia e da Antonella, que é o nosso bebê.
Começamos a obra, mas não tivemos condições de terminar. A mão de obra é muito cara. Preciso ter uma rampa, estrutura de banheiro para ela caminhar e se segurar. Ganhamos fraldas. Medicamentos que a Farmácia Municipal não tinha, nós estamos arcando. Na Unisc, ela vai receber acompanhamento de fisioterapia para reabilitação. Vou solicitar ao Hospital de Clínicas mais curativos, que estão acabando.

E da escola, Júlia? Sente saudades?
Júlia –
Vou para o terceiro ano. Estou ansiosa para ir para a escola (Emef Santuário). Quero rever meus amigos, meus professores. Sinto falta deles. Quero viver, ser feliz. Sinto saudade de todos, principalmente das minhas melhores amigas.
Diogo – O material escolar foi arrecadado pelos professores. Desde a mochila, cadernos, tudo. A Secretaria de Educação vai dar o transporte. Só temos a agradecer.

Jackson Follmann também enviou vídeo para a santa-cruzense | Imagens: Arquivo Pessoal

E na escola, tu tens algum apelido?
Júlia –
Eu ganhei quando era criança, das minhas amigas. Elas me chamam de “Juju”. Pode me chamar de “Juju” também.

Juju, me contaram que uma menina está perto de fazer aniversário…
Júlia –
Sim. Dia 21 eu comemoro 8 anos.

E o presente, me conta?

Júlia – Quero ganhar um unicórnio grandão. Sou apaixonada por unicórnios. Eles são mágicos. Eles conseguem tudo. Ajudam as pessoas (revelou no ouvido do repórter).

Só unicórnios? Não tem outro brinquedo?
Júlia:
Eu gosto de princesas. Gosto muito da Rapunzel, da Elsa, do filme Frozen. Ganhei uma Barbie cadeirante, achei o máximo. Me inspirei.

Visita especial
Nessa quarta-feira, 11, Júlia recebeu uma visita muito especial: Marcelo Seffrin, autor de “Florzinha”, uma das músicas preferidas da menina, cantou ao lado dela durante um momento especial para os dois. A música que os dois entoaram é “Dorme, Filhinho”. Confira o vídeo:

Imagens: Luciana Tremea/ Arquivo Pessoal

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