Há uma década, a criação da Cooperativa de Catadores e Recicladores de Santa Cruz do Sul (Coomcat) operou uma mudança nas vidas de Angela Maria de Oliveira e Ana Cláudia dos Santos. A cooperativa tem atualmente 53 associados e atende mais de 48 mil pessoas no município. Mais do que os benefícios ao meio ambiente gerados pela reciclagem, a organização alterou para sempre a rotina das famílias e especialmente das mulheres que sobrevivem da atividade.
Para Angela, de 60 anos, que atua na Coomcat desde 2012, a profissão foi aprendida em família. “Ser catadora já veio de geração, minha mãe era catadora. Eu cresci ajudando e continuei a levar em frente”, conta. Mãe de oito, ela relata que a atividade a permitiu criar os filhos e hoje dois deles trabalham com ela na Coleta Seletiva Solidária no município. Angela chegou a trabalhar também na indústria fumageira antes de fazer parte da cooperativa, e o marido que trabalhava em curtumes também foi para a reciclagem mais tarde, onde se aposentou.
LEIA TAMBÉM: Dia da Mulher: elas estão na linha de frente contra o coronavírus
Publicidade
“A gente tem um lugar para trabalhar e é respeitado, antes de estar aqui havia o desrespeito da população. Depois que entrou a coleta seletiva a gente teve mais oportunidades para trabalhar sem ser discriminado. É um trabalho muito importante para a sociedade e para o meio ambiente, é de onde tiramos o nosso pão”, relata. Com seus olhos claros voltados para o futuro, Angela já planeja a própria aposentadoria, mas teme sentir saudade do espaço onde cresceu profissionalmente e fez tantos amigos.
Na casa onde vive com o marido e a filha mais nova, de 18 anos, no Bairro Bom Jesus, Angela chega do expediente e após o banho gosta de tomar um chimarrão e curtir sua novelinha. Apesar de não se maquiar para o trabalho, aos finais de semana não dispensa alguns cuidados com a aparência. “Eu acho que toda mulher deve ter a sua beleza, se cuidar e se ajeitar. Eu gosto de um batonzinho”, revela. Se assumindo vaidosa, mesmo por baixo da máscara de proteção, ela mostra que está usando batom para conceder a entrevista.
Como mulher e catadora, ela conta que o serviço costumava ser mais rigoroso no passado. “Agora já não acontece mais, mas o pior era puxar os carrinhos. Eu comecei quando já tinha três filhos, puxava o carrinho para carregar os materiais até a venda, depois vieram os caminhões com as melhorias na estrutura da coleta e melhorou muito para a mulher.”
Publicidade
Nascida em Santa Cruz do Sul, Ana Cláudia dos Santos, de 33 anos, trabalha desde 2013 na Coomcat, sendo os últimos dois anos como vigia da Usina Municipal de Triagem e a única mulher neste cargo. Na guarita onde chegam os caminhões com materiais ela define o destino de cada um, além de manter a limpeza e roçada do pátio. Com as unhas pintadas, usando brincos, piercing e batom, ela comanda sua função, sem deixar a vaidade de lado. “Eu acordo às 4 horas, arrumo a comida para o almoço e passo um batom e um lápis na sobrancelha. Sou tão vaidosa quanto uma mulher que trabalha no escritório”, confessa.
LEIA MAIS: Programação online marca o Dia Internacional da Mulher
“É difícil manter o respeito, alguns não aceitam ser mandados por uma mulher. De uns meses pra cá não tenho mais problemas, mas no início foi complicado. Mas eu pensava: ‘eu sou mulher e não vou desistir, eu vou mostrar pra eles que também posso’”, conta. Na função ela também é responsável pela segurança do local, observando possíveis invasões e furtos através das câmeras de monitoramento. Na ocasião de um incêndio na usina, Ana Cláudia ajudou até a combater as chamas utilizando extintores, até a chegada dos Bombeiros.
Publicidade
Antes de fazer parte da Coomcat, Ana coletava materiais recicláveis de carroça junto com o marido. “Chegava o fim de semana, na sexta a gente vendia o material e eu não sabia se comprava milho para o cavalo, fralda e leite para o nosso filho ou comida, um arroz, uma carne. O casal estava empregado como safrista quando o pai dela, que trabalhava na coleta, avisou que mulheres estavam sendo contratadas para a triagem. Ana Cláudia foi contratada, atuou dois anos na coleta e agora atua como vigia durante o dia, e o marido é o vigia noturno. O casal que trabalha em horários opostos vai e volta a pé para o trabalho, e se encontra no caminho para entregar a chave da casa, passando juntos os dias de folga.
Atualmente ela reside com a família no Residencial Viver Bem, na casa que ganhou por estar cadastrada como catadora pela cooperativa. “Já fechamos o pátio, fizemos piso e está do jeito que a gente queria. É simples, mas é nossa”, disse. Um dos projetos da mãe é a construção de mais um quarto, já que os filhos Yago, de 15 anos, e Kauan, de 11 anos, dividem o cômodo atualmente.
“Antes a gente trabalhava como catador e não tirava nem para comer e na cooperativa já conseguiu comprar os móveis. Consigo pagar minhas contas e a minha vida depois que comecei a trabalhar na cooperativa mudou 100%”, relata. Para Ana Cláudia, o trabalho se tornou uma família, permitiu aprendizados e oportunidades únicas como uma viagem de 4 dias para São Paulo, onde recebeu um prêmio em nome da Coomcat das mãos da então presidente Dilma Rousseff.
Publicidade
Outra vantagem do trabalho na cooperativa é a união, especialmente entre as mulheres. “Somos unidas, se uma está com um problema, a outra tenta ajudar. É uma família, passo a semana inteira aqui e com a família mesmo é só sábado e domingo.” As mulheres que trabalham com a coleta aprendem todas as funções, carregam fardos de materiais, atuam nas esteiras de triagem e fazem todo o trabalho necessário.
LEIA TAMBÉM: Venda presencial de flores está permitida nesta segunda-feira
Publicidade
This website uses cookies.