Dias atrás, ao ajudar a Yasmin em um exercício de interpretação de texto, fiquei intrigado diante de uma fábula que ainda não conhecia. Trata-se da história do mosquito e do touro.
Conta a fábula que certo dia um mosquito pousou no chifre de um touro. E lá ficou por um tempo, aproveitando-se da visão privilegiada para contemplar a paisagem – a vastidão do campo, o verde do pasto, o gado que ruminava nos arredores. Até que, caindo em si, decidiu pedir desculpas ao touro que servia-lhe de esteio. E falou algo do tipo:
– Senhor touro, desculpe a intromissão. Se meu peso o incomoda, é só dizer que eu irei embora.
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Mas o touro, com um olhar bovino de desdém, fez pouco caso do mosquito.
– Por mim tanto faz – respondeu. – Não havia nem percebido que você estava aí…
A essa altura da fábula, eu já estava admirado com a boa educação do mosquito, que pedira desculpas, e indignado com a incivilidade do touro, por seu menosprezo ao acompanhante. Esses touros… sempre arrogantes e cheios de si.
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Até comentei minha impressão com a Yasmin, mas ela me alertou para ler o texto até o final, pois a lição de moral da história valia para o mosquito, não para o touro.
De fato, ao final do texto havia uma explicação para o sentido da fábula: “Com frequência julgamos-nos o centro das atenções e muito importantes, bem mais do que realmente somos diante dos olhos do outros.” Ou seja, o arrogante da fábula não era o touro. Era o mosquito, por se considerar grande a ponto de fazer peso sobre o gigante de cornos.
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Mas, ainda assim, ninguém me tira da cabeça que o touro também foi prepotente. Fez pouco caso do mosquito, tomando-o por um ser insignificante, imperceptível. E ainda revelou sua impressão ao pobre mosquito, na cara dura…
Ah… pudesse eu me encontrar com esse touro petulante… Com o dedo em riste, lhe aplicaria um belo sermão sobre como não se deve menosprezar os outros seres, por menores que pareçam.
Se bem que… em se tratando de touros, talvez o melhor fosse ficar calado, respeitando uma distância segura.
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Coincidentemente, nesta semana tive provas de que mesmo os mosquitos não podem ser ignorados. Ocorre que venho me sentindo estranho, fatigado, com dores nas costas e membros, ligeiras náuseas e uma estranha falta de apetite. Imaginem só… eu com falta de apetite… Que sofrimento!
Considerando a ausência de sintomas respiratórios e o fato de que tive Covid-19 há pouco tempo, o médico afastou a possibilidade de ser uma reinfecção por coronavírus e fui classificado como um caso suspeito de dengue. Logo foi feito um relatório, as autoridades sanitárias foram notificadas e fui encaminhado para exames. Ainda não tenho os resultados oficiais, mas, como os sintomas que tenho equivalem aos de dengue, posso dizer que é uma doença medonha.
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O sintoma mais chato é a fadiga. Não sou de me gabar, mas preciso dizer que ao longo de toda a vida adulta me acostumei com jornadas duplas e triplas – por duas ocasiões tive dois empregos simultaneamente, me graduei, fiz mestrado e estou terminando um doutorado sem nunca ter parado de trabalhar. Então, sei o que é estar cansado. Mas essa fadiga é algo bem diferente.
É algo que transforma o simples ato de levantar da cama, pela manhã, em um suplício. E que só piora depois que você se levanta. Você se transforma em um zumbi, um ser imprestável, que passa o dia em busca de uma poltrona para acomodar os ossos. Até escrever esta coluna, amigo leitor, está sendo um sacrifício…
Enfim, sinto-me como se tivesse mesmo invocado a ira do touro da fábula, até ser atropelado por ele. Mas preciso dizer que, apesar de tudo, preciso ser grato, pois esses ainda são considerados sintomas leves de dengue – se for mesmo dengue. Há quadros muito piores da doença. Portanto, fica o alerta: não podemos fazer pouco caso do mosquito.