O sujeito faz piada sobre uma mulher que está com a cabeça raspada. Inadequada, sem dúvida, desprezível até, uma vez que o visual é decorrente de um problema de saúde e isso é uma informação já tornada pública. O marido dela, em resposta aparentemente instintiva, vai até ele e o atinge com uma sonora bofetada, para espanto dos milhões de pessoas que assistem de camarote.
Todo mundo viu a cena, que dominou as rodas de conversa por vários dias e entrou, em definitivo, no rol das mais marcantes da história do Oscar – ao lado, talvez, de quando Marlon Brando recusou a estatueta de melhor ator em 1973, e enviou uma indígena no seu lugar para ler um texto no qual explicava suas razões, e de quando Faye Dunaway errou o filme ao anunciar o prêmio principal em 2017. As conclusões foram diversas: há quem enxergou em Will Smith apenas alguém que perdeu a linha ao ver a mulher que ama ser ofendida gratuitamente e quem apontou nele o machismo por ter tomado a frente de resolver a questão no tapa sem sequer dar chance a ela, a ofendida, de decidir como responder.
Eu vejo algo a mais nesse episódio. Não é, certamente, a primeira brincadeira de mau gosto feita ao vivo, inclusive em cerimônias hollywoodianas, onde com alguma frequência comediantes como Chris Rock são chamados para avacalhar as estrelas sem dó nem piedade na cara delas – vide o monólogo de Rick Gervais no Globo de Ouro há dois anos. Que alguém tenha se levantado e agredido o autor da brincadeira em público, eu ao menos não tenho lembrança.
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Na verdade, tanto faz se partiu de um homem apaixonado ou de um “macho alfa”. O fato é que hoje, na maioria das vezes, as coisas funcionam exatamente assim como vimos no palco do Oscar. Algo é dito por alguém, às vezes rompendo os limites do razoável, e outro alguém, incomodado com ou sem razão, reage de forma imediata e febril. O julgamento e a sentença saem em questão de segundos, sem margem para ponderação. Pode ser um excesso inconsequente, mas muitas vezes é um deslize, um erro de cálculo, uma ignorância, um vício cultural. Situações que devem, sim, ser problematizadas e educadas para que possamos superar conceitos e preconceitos mofados. Mas a regra é: pisou na bola, já para a fogueira. Até músicas e filmes feitos há décadas, quando o mundo e os valores eram outros, não escapam do tribunal dos “semideuses”, como diria Fernando Pessoa.
Não se trata de defender liberdade de expressão absoluta. Por “deslize”, certamente não me refiro a quem afirma que mulheres ucranianas são fáceis por serem pobres e tampouco me alinho a quem diz que pessoas têm direito de serem idiotas para justificar uma relativização da barbárie nazista. Me refiro a quem é atirado aos leões porque não adotou a mais atualizada das terminologias ou simplesmente revelou-se falho, suscetível, imperfeito.
Humano, enfim.
O tapa de Will Smith tem tudo para se tornar o símbolo da era do cancelamento. Seria totalmente compreensível se ele tivesse repudiado a piada, se tivesse levado Chris Rock à Justiça e mesmo se Rock tivesse sofrido alguma punição da Academia. Mas preferiu agir de acordo com os tortos códigos sociais contemporâneos, em que a solução para tudo parece ser o grito – e, pelo visto, agora também a mão. “Onde é que há gente no mundo?”, perguntava o poeta português. Tristes tempos.
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