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A dor do pagamento

Em 10/02/2020, a agência de notícias Bloomberg Brasil publicou a matéria  “As pessoas mais felizes do mundo têm um problema de dívida”. Trata-se de cidadãos da Finlândia, país que liderou o mais recente Relatório Mundial da Felicidade das Nações Unidas, em que o banco central está preparando uma estratégia de alfabetização financeira para sua população. É que, nas duas últimas décadas, o endividamento das famílias finlandesas simplesmente dobrou. 

A causa do endividamento dos finlandeses seria o desaparecimento do dinheiro. Em 2018, mais de 80% das operações foram feitas com cartões, celulares e outros meios de pagamento digitais. Isso criou uma nova realidade que obscureceu a percepção de muitas pessoas sobre o dinheiro. As pessoas passaram a ter dificuldade em saber onde gastaram o dinheiro, quanto terão no final do mês e quanto podem pedir emprestado.

Essa situação finlandesa se repete, ainda não com tanta força, em outros países, inclusive no Brasil. Já se sabia que uma das grandes armadilhas dos cartões, raramente percebido e pouco estudado, é mascarar o ato de gastar. Ao pagar com o cartão – inclusive de débito – não se tem a mesma sensação psicológica de gasto de quando se retira o dinheiro em espécie da carteira. 

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Pagar com dinheiro ou cartão – ou outro meio eletrônico qualquer – não deveria fazer qualquer diferença. Mas, faz. Se alguém quer economizar, precisa começar a pagar suas contas com dinheiro. Isso porque ver aquelas cédulas saindo uma após outra, às vezes juntas, da carteira vai “doer”, o que o cidadão não sente se fizer o pagamento com o cartão. Isso acontece porque a pessoa não se dá conta, tornando a decisão irracional, por mais que acreditemos no contrário.

Conforme a matéria Por que pagar com dinheiro “dói mais” do que passar o cartão, da revista Época Negócios, de 24 de agosto de 2017, Dan Ariely, um dos maiores especialistas em psicologia e economia comportamental, esteve em São Paulo, no evento Economia Comportamental, discutindo a irracionalidade na tomada das nossas decisões. É que as decisões estão muito ligadas às nossas emoções e pressões externas. 

Para ocorrer uma mudança no padrão de tomada de decisão, precisa haver uma virada emocional. Dan Ariely dá como exemplo os fumantes: a simples estampa de imagens e mensagens nas carteiras, alertando sobre eventuais malefícios do cigarro, não foram suficientes para diminuir o número de fumantes; a virada começou com o entendimento de que existem os fumantes passivos, quer dizer, o consumidor de cigarro está prejudicando também a outras pessoas. 

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Todos estamos familiarizados com algum tipo de dor, seja física ou emocional: desde dores mais suportáveis como uma picada de abelha, queimadura com água ou panela quente, tropeço em algum objeto, passando por dores crônicas pelo corpo, até chegar nas frustrações sentimentais. Enfim, as possibilidades são infinitas.

Mas, existe uma dor da qual raramente nos damos conta. É a dor do pagamento que sentimos quando temos que nos separar do dinheiro. Não se trata de teoria. Estudos mais recentes, usando imagens cerebrais por ressonância magnética, mostraram que o ato de pagar estimula as mesmas regiões do cérebro envolvidas no processamento da dor física. Aliás, qualquer preço, principalmente quando mais alto, estimula esse mesmo mecanismo cerebral com maior intensidade. 

Na dor física, nossa primeira providência é tentar nos livrarmos dela ou então, pelo menos, aliviá-la de alguma forma. O mesmo acontece com a dor do pagamento. O problema é que a forma como tentamos escapar da dor do pagamento pode causar mais problemas em algum momento, no futuro.  

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Embora a dor seja desconfortável ou até insuportável, o fato é que ela é importante para nos alertar que algo está errado. A dor de uma queimadura na mão, por exemplo, nos faz procurar algum tipo de alívio e, principalmente, evitar novo acidente ou distração. Na dor do pagamento deveríamos fazer a mesma coisa. Mas, em vez de acabar com a dor do pagamento, usamos serviços financeiros – como cartões de crédito, carteiras digitais e o débito automático – que apenas tratam do sintoma (a dor), mas não o doença em si (o pagamento). 

A força psicológica dos cartões de crédito e outros meios eletrônicos de pagamento está, justamente, no fato de separar o momento em que consumimos daquele em que pagamos. Além de ser mais fácil do que pegar a carteira, contar quanto dinheiro tem, retirar uma ou mais notas, contar e, se for o caso, esperar o troco, pagar alguma coisa com o cartão de crédito evita a dor do pagamento. Sem burocracia, sem ter que pensar, como podemos entender o que está acontecendo? O mesmo vale para os débitos automáticos em que prestações e contas de água, luz, telefone, condomínio, etc., são descontadas do saldo em nossa conta do banco, sem nos darmos conta. Sem dor nenhuma. É isso que já levou os consumidores finlandeses a se endividarem de forma assustadora, nos últimos vinte anos.

Por isso, quem não tiver controle e disciplina sobre seus gastos, é melhor deixar o cartão em casa, quando sair; congelá-lo, num freezer, para ter que esperar um tempinho para poder usá-lo, quando bater aquela vontade; ou, simplesmente, destruí-lo. O risco de algum desastre financeiro é menor. 

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