Da varanda da casa simples onde mora em Capão da Cruz, Santa Cruz do Sul, Cláudia Nunes, de 47 anos, viu um carro da Polícia Civil estacionar próximo à calçada no último dia 28. Pouco tempo antes, naquela segunda-feira, tinha ouvido de um vizinho que dois jovens haviam sido assassinados em Vale Verde no fim de semana. A filha dela, Maísa Gabrielle Ramos de Azevedo, de 22 anos, deixara a casa da mãe dias antes para ficar com o namorado, João Carlos de Oliveira, de 32, que havia rompido a tornozeleira eletrônica. Quando os policiais se aproximaram e pediram a Cláudia uma foto da jovem, o coração apertou.
“Se a tua filha está com um foragido e a polícia chega na tua casa pedindo uma foto dela, o que tu vais pensar?”, comenta. As horas que se seguiram foram difíceis. Cláudia foi levada até a delegacia e, sob amparo médico, recebeu uma notícia que ia além do que a preocupação materna teria lhe permitido imaginar: Maísa havia sido assassinada. As fotos do corpo da jovem foram mostradas com cuidado para a mãe, que sofre de problemas cardíacos. Uma imagem do braço da filha, que carregava o apelido do namorado, conhecido como Bilão, comprovou que se tratava da moça.
“Eu não conseguia acreditar que aquela era minha filha, estava muito machucada. Mesmo quando vi a foto da tatuagem, tinha esperança de que fosse uma outra namorada dele”, relembra. Segundo a Polícia Civil, Maísa teria sido assassinada pelo companheiro em um sítio no interior de Vale Verde. O corpo dela foi encontrado ao lado do cadáver de Luiz Carlos de Melo, 27 anos, na tarde de 27 de janeiro. A suspeita é de que o crime tenha sido motivado por ciúmes, mas Bilão nega essa hipótese. Na versão dele, Luiz assassinou Maísa e ele matou o rapaz em legítima defesa.
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O sepultamento da jovem aconteceu no dia 29. Desde então, Cláudia deu uma pausa nos trabalhos que fazia como faxineira e vendedora. “É uma dor muito grande para uma mãe. Dói mais ainda tentar entender como alguém que dizia que amava a minha filha fez aquilo.” Os três irmãos de Maísa – um menino de 9 anos, uma menina de 13 e outro rapaz, de 20 – seguem vivendo com ela. A moça deixou ainda dois irmãos por parte de pai e um filho de 5 anos. O menino fez aniversário no dia 5 de janeiro e hoje mora com o pai.
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Sobre o relacionamento de Maísa com Bilão, a mãe sabia muito pouco. Em 26 de dezembro do ano passado, Oliveira foi até a casa dela e perguntou pela jovem. Ele havia deixado o sistema prisional em Porto Alegre naquele mesmo dia e passaria a cumprir pena com o uso de tornozeleira. Nas semanas seguintes, a filha passou os dias entre a casa da mãe e a moradia de uma irmã de Bilão, no Residencial Viver Bem. Sempre que estava lá, Maísa telefonava alegre para Cláudia.
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“Os três falavam comigo no telefone, e parecia tudo muito bem. A Maísa dizia toda vez que me amava e estava feliz por estar com ele. A irmã dele parecia ser uma pessoa muito boa também, e eu fiquei tranquila porque ela também ia na igreja”, recorda. Cristã praticante, Cláudia sempre respeitou as escolhas da filha e acredita que julgamentos cabem apenas a Deus. “Ela era maior de idade e decidiu ficar com ele. Eu não podia ficar bisbilhotando. O que ele tinha feito da vida também não me interessava, não cabia a mim querer condenar, afinal, ele fazia minha filha feliz.”
Após Bilão romper a tornozeleira, no dia 11 de janeiro, e ir com Maísa para Vale Verde, Cláudia não ficou sabendo do paradeiro dos dois. Em razão da condição de foragido do genro, evitava saber detalhes. “Ela veio em casa um dia e pediu uma carteira onde ficavam os documentos, depois disso não vi mais os dois. Fiquei preocupada, mas ela fez uma escolha e eu nunca podia imaginar o final que isso teria”, recorda Cláudia.
Segundo Cláudia, a filha era uma jovem amorosa, festeira e, por vezes, rebelde. “Ela era de viver, gostava de dançar, de sorrir, de ir em festas e estava sempre rodeada de amigas. Às vezes era teimosa, queria as coisas do jeito dela, mas sempre foi uma ótima menina”, recordou. O gosto pelas baladas não chegava a atrapalhar a rotina de Maísa, que se formou no ensino médio e chegou a trabalhar no Tribunal Regional Eleitoral, período em que também alugou um local para morar no Bairro Santo Inácio. “Foi a melhor fase da vida dela, estava feliz, cheia de planos”, comentou. Em outra época, Maísa chegou a viver com um antigo namorado em Santa Catarina.
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Apesar das mudanças constantes de hábitos e visual – costumava alterar com frequência a cor dos cabelos –, nada na forma como Maísa levava a vida indicava o fim trágico que teria. “Não tenho certeza de onde ela conheceu ele (Bilão), mas como ela estava sempre saindo com as amigas, acredito que tenha sido em uma dessas ocasiões.” Procuradas pela reportagem, amigas da jovem afirmaram lembrar dela exatamente como a mãe descreveu. Sobre os meses que antecederam o assassinato, sabiam apenas que Maísa estava “casada”, mas não viam nada de estranho no relacionamento.
O relato de Bilão à Polícia Civil, contando que ele e a namorada teriam usado cocaína na noite do assassinato, surpreendeu Cláudia. “Eu nunca soube que ela fazia isso, e se fez estava errada. Mas, em respeito à memória da minha filha, eu prefiro não julgar. Se existe algum lugar depois daqui, eu espero que ela esteja feliz lá, porque daqui eu sempre vou lembrar da Maísa como a menina alegre e amorosa que ela era”, finalizou.
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Maísa e Luiz teriam sido assassinados na madrugada de 27 de janeiro, em um sítio onde viviam, no interior de Vale Verde. O jovem morava em um galpão da propriedade, enquanto Bilão e a namorada residiam na casa. A polícia acredita que o crime foi motivado por uma possível descoberta de traição. Os jovens foram mortos com diversos tiros, inclusive no rosto, o que é visto pela investigação como um sinal de que o assassino estava com raiva. Os corpos foram desovados em um matagal.
A perícia na casa, no último dia 1º, encontrou projéteis e manchas de sangue. No dia 6, Bilão se entregou à polícia e está preso. Ele nega ter matado Maísa e diz que atirou contra Luiz em legítima defesa. O inquérito está a cargo do delegado Luciano Menezes.
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