Em agosto do ano que vem, Jaqueline Weber quer estar entre as 48 melhores atletas do mundo qualificadas para competir na prova de 800 metros no famoso Stade de France, em Paris, nos Jogos Olímpicos de 2024. No cronômetro, ela está a pouco mais de dois segundos do índice mínimo de 1’59’’30. Em recente temporada pela Europa, Jaque participou do Meeting de Meilin, na Suíça, onde venceu os 800 metros com a marca de 2’01’’54. Com a quebra do recorde pessoal e mantendo o nome na liderança do ranking sul-americano nesta distância, se aproxima cada vez mais do sonho olímpico.
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A meta exige, e muito, da atleta de 28 anos, que abre mão temporariamente da vontade de ser mãe em nome da carreira. A rotina de treinos é diária, inclusive em dois turnos. Alimentação controlada, suplementação, noites de sono de oito horas e terapia estão entre os hábitos que entende serem fundamentais para os bons resultados na pista. Além da classificação pelo índice, outra metade das vagas será preenchida pelas melhores colocações no ranking da World Athletics. De uma forma ou de outra, a representante da Associação Medalha de Ouro (AMO) quer integrar a delegação brasileira no maior evento esportivo do mundo.
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Natural de Teutônia, no Vale do Taquari, Jaque conheceu o atletismo ainda no colégio. Aos 10 anos, participava das primeiras competições e, representando o Colégio Teutônia, foi medalhista em campeonato nacional pela primeira vez, em 2010. Ainda pela instituição, em 2012, foi convocada pela primeira vez para representar a seleção brasileira. A educação seguiu abrindo portas para a jovem e, no ano seguinte, veio a Santa Cruz do Sul a convite do professor Jorge Peçanha, que era o treinador da equipe de atletismo da Unisc.
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Embora tenha recebido propostas de outros lugares, como a Sogipa, a história santa-cruzense com a modalidade, e na sua especialidade, as provas de meio-fundo, a fez não hesitar em adotar o Vale do Rio Pardo como morada. A bolsa de estudos no curso de Educação Física na instituição e ajuda de custo que receberia também pesaram na decisão. “Sempre tive muito claro que o esporte era um meio e não podia ser um fim. Era um meio para eu estudar e minha família me incentivou”, lembra. A decisão foi definitiva para tornar-se uma atleta. “Aqui eu fui começando a entender onde o atletismo podia me levar, justamente por conviver com histórias de Santa Cruz muito vencedoras no esporte, e fui querendo mais isso”.
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“O Jorge foi quase como um pai”. Essa foi a frase usada por Jaqueline Weber para dar dimensão da importância que o treinador Jorge Peçanha teve em sua trajetória. Única filha mulher, Jaque tem dois irmãos mais velhos e a caçula foi quem saiu de casa por primeiro, aos 17 anos. Para os pais, não foi fácil ver a jovem mudando de cidade, mas eles confiaram a filha ao treinador, que tinha o perfil de “paizão” com os atletas da equipe.
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Jorge foi um grande incentivador e acreditou nela desde o início. “Quando eu cheguei, ele me disse que eu ia correr nos 1.500 metros abaixo de 4’20’’, que é uma marca difícil. Me falou isso em 2013 e eu vim a correr abaixo desse tempo em 2021, quando ele já estava doente”. As conquistas pela equipe foram aumentando. Com ele como treinador, foi campeã brasileira juvenil pela primeira vez nos 3.000 e 1.500 metros.
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No final de 2014, a atleta viveu o momento mais tenso da carreira, quando chegou a pensar em desistir da pista, concluir a graduação e buscar outra alternativa profissional. Naquele ano, a universidade encerrou o projeto de atletismo, e o treinador começou a apresentar sintomas de Alzheimeir. Todas as dúvidas e angústias daquela época frearam seus passos. “Talvez eu pudesse ter amadurecido antes como atleta, mas esse processo atrapalhou um pouco meu desenvolvimento. No auge da minha carreira eu estou chegando agora; não é tarde, mas poderia ter sido mais cedo”.
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Também nesse período Jaque se aproximou do atleta olímpico e filho do treinador, Fabiano Peçanha. Ele iniciou um movimento, ao lado do pai, para manter a equipe santa-cruzense. Em 2015, Fabiano reestruturou a AMO, um projeto social antigo, e tornou a associação a nova referência do atletismo local. Mesmo com a ideia iniciando, Jaque decidiu ficar em Santa Cruz porque sabia do potencial e do conhecimento técnico da família Peçanha.
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Fabiano já estava encerrando a trajetória vitoriosa como atleta e a aproximação com Jaque, que tinha ele como referência no esporte, foi natural. Em 2016, começaram a namorar; hoje são noivos. Ela acompanhou de perto a transição de carreira dele, após a última tentativa de participar das olimpíadas, em 2016, e sentiu junto a frustração quando ele não foi convocado. Jaque entendeu como um sinal para dar continuidade ao sonho olímpico. “Aquele momento plantou algo muito forte em mim. Ele não conseguiu, mas essa vai ser a minha missão, como uma passagem de bastão”. Assim, Fabiano tornou-se treinador da então namorada.
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Se no atletismo a diferença salarial entre homens e mulheres não é uma barreira, há outras que precisam ser ultrapassadas pelo naipe feminino. Uma das mais difíceis é para as atletas que desejam ser mães, como Jaqueline Weber. Ela afirma que está em uma faixa de idade e num relacionamento que despertam ainda mais essa vontade. Por outro lado, também visualiza que pode estender a carreira como atleta até 2028, ano dos jogos olímpicos de Los Angeles. “Eu abro mão por um tempo do sonho de ser mãe pela minha carreira”, afirma.
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Ela acredita que não é impossível conciliar os dois papeis, mas vê um contexto desfavorável para tentar. “O sistema começa a te dizer que tu não é capaz, que não vai conseguir voltar. É o mundo do esporte dizendo que não vai dar certo”, relata. Deixar para depois o sonho de formar uma família também traz dúvidas naturais às mulheres, como se questionar sobre a fertilidade daqui a cinco anos. “A gente escolheu não ter agora, mas abrir mão de ter um filho agora também é muito difícil, porque é uma vontade”, desabafa. “Imagina eu estar no meu auge, indo para uma olimpíada e com uma criança na arquibancada torcendo por mim, seria viver o auge da carreira esportiva e o auge da família, mas a atleta mulher tem que escolher ou arriscar tentar, mas tem muita chance de isso ditar o fim da carreira”, pontua.
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Outra questão que afeta as mulheres corredoras é treinar nas ruas. A preocupação com o horário e o local onde correr é constante. Um carro andando mais devagar próximo do local do treino já vira sinal de atenção redobrada. Jaque lembra de uma amiga triatleta que já falou que a mulher não tem medo de ser assaltada, tem medo de ser estuprada. “Esse é o medo que a gente tem e isso eu tenho em alguns lugares se estou sozinha”.
A preferência por correr em locais planos, como rodovias, também traz algumas situações desconfortáveis. “São lugares onde eu tenho que ouvir motoristas buzinando, onde eu tenho medo, às vezes, de alguém me parar e fazer alguma coisa”. Como estratégia, tenta cuidar ao máximo. Sempre que pode, o noivo e treinador a acompanha, mas, quando não é possível, procura avisá-lo onde estará treinando. Ela conta ainda que, se ele está junto e correm no asfalto, ninguém buzina. Além disso, lembra que a mulher sempre se preocupa com a roupa que vai usar. “Se está quente e tu vai usar só um tope, já sabe que vai sofrer em dobro. O homem não passa por isso, corre sem camisa e nada acontece”.
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Até o fim do ano, Jaque tem importantes compromissos no calendário de competições. Além dos 800 metros, ela também corre a prova de 1.500 metros, na qual já atingiu a marca de 4’14’’83, o melhor tempo da história do Rio Grande do Sul e a oitava melhor marca do País. Recentemente participou do Troféu Brasil de Atletismo e garantiu a classificação para o campeonato Sul-Americano, que ocorre neste fim de semana. Acredita que será possível também garantir vaga no Mundial de Atletismo, que será em agosto, em Budapeste. Já em novembro, o compromisso deve ser nos Jogos Pan-Americanos, no Chile. Neste caso, o critério para participar é estar entre as 18 melhores do ranking pan-americano, no qual hoje estaria garantida a vaga.
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