Muitos já devem estar esgotados ao falar ou ouvir falar da catástrofe que se abateu sobre o Rio Grande do Sul. Ela, no entanto, existiu e não podemos varrer a sujeira para debaixo do tapete. Há alguns dias fui visitar minha Cruzeiro do Sul e, mais uma vez, aprendi que nenhuma das imagens que vi, das narrações que ouvi, das comunicações emocionadas dos jornalistas, nada substitui a presença ao vivo no palco da tragédia.
As chuvas que incharam o rio tornaram-no inclemente, impiedoso, devastador. Deparar-se com bairros inteiros em silêncio, terrenos vazios de casas e árvores, carros cobertos de lama, nenhuma criança brincando, adultos atônitos olhando para o nada, isso tudo deixa uma imagem que nenhuma forma de comunicação consegue alcançar ao nosso entendimento. O que mais eu me perguntava, ao ver aquela destruição, era: por onde começar? O fim estava dado, agora restava recomeçar.
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O mundo não acabou, nem todas as vidas foram perdidas, entretanto vai demorar a reconstrução, vai demorar acomodar todas as dores disseminadas. Fico pasmo quando ouço alguns críticos oportunistas, não importa de que costado, dizendo que os governos nada fazem para resolver os problemas dos desabrigados. Só em Cruzeiro do Sul serão mais de mil casas a erigir em áreas completamente desprovidas de infraestrutura para receber uma cidade. E não adianta apressadamente construir casas para resolver o problema do presente, é necessário planejar para longo prazo.
Nesse sentido, todos foram surpreendidos. Depoimentos unânimes repetiam que aquilo nunca tinha acontecido antes. O que deve restar é a aprendizagem da doída lição que foi dada a todos, desde o prefeito, que não teria providenciado contenções, até o cidadão que joga seu lixo na rua sob o pretexto de que esse problema não é seu. Aqui renovo minha esperança na escola, na educação: nenhuma criança, nenhum jovem deveria sair dali sentindo-se no direito de jogar um único papel de bala na rua.
Visitamos uma escola. Mesmo distante uns duzentos metros do rio, foi coberta totalmente pelas águas. Nada restou: cadeiras, mesas, computadores, telas interativas, biblioteca, tudo coberto de lama, tudo arrasado. Uma empresa de Panambi assumiu a recuperação. Estavam lá substituindo a fiação elétrica, limpando e pintando paredes, restaurando piso, tentando devolver a vida a esse espaço, antes cuidadosamente protegido, amado. Muitos dos seus alunos moravam nas proximidades. Não sei onde foram parar, não há mais casas.
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Um grupo de Pomerode (SC) trouxe caminhão, máquinas, ferramentas, mantimentos, estendendo sua solidariedade. Estavam trabalhando, mas uma das pessoas me disse de quanto estavam se sentindo impotentes diante de tanta destruição. O exército se fez presente, muitas pessoas vieram prestar socorro, amenizando um pouco a dor da imensa ferida aberta.
Uma mulher solitária caminhava pela rua. Minha irmã conversou com ela. Apontou para um espaço vazio e disse que ali era sua casa. Contou que tinha um filho que, aos seis anos, teve grave quadro de broncopneumonia. Quando estava na UTI, a mãe fez uma promessa. Se curasse, daria uma corrente com medalhinha do Sagrado Coração de Jesus. O então menino se salvou e, depois de muito tempo, a mãe conseguiu cumprir o prometido. A correntinha estava na casa, agora sob escombros e lama. Mas, a mãe estava decidida: vou lá procurar a correntinha, preciso honrar minha promessa.
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Mãe, não te aflijas. Se não localizaste a correntinha, tua promessa está paga. Não há anjo que possa recusar tua decisão, a tua fé.
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