Quando criança, meu filho perguntava – ao me ver sair rumo ao trabalho – por que eu não poderia ficar em casa e brincar com ele. Respondia e lhe dizia que assim como o homem das cavernas saía em busca da caça e das frutas, como nas histórias em quadrinhos que líamos juntos, nós vendemos nosso trabalho em troca de dinheiro. E com esse dinheiro compramos as mesmas carnes e frutas.
Depois, quando o mesmo filho já adolescente, agora na companhia de seu irmão, ainda criança, eu continuava afirmando que nós realmente ainda éramos homens da caverna.
E o que nos diferenciava, hoje, era o fato de possuirmos habitações adequadas, alimentos diversificados, roupas variadas e equipamentos de facilitação de trabalho e de locomoção.
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E que, apesar da ilustrada aparência pessoal e os modernos equipamentos domésticos, lá no fundo de nossa alma ainda dormia e roncava o homem das cavernas. Mas que perigosamente alternava momentos de silêncio e inação com outros tantos de ruidosa, brutal e mortal intervenção no nosso dia a dia.
É verdade que muitos humanos, mundo afora e através dos tempos, exemplos virtuosos de artes e ofícios, iluminam nossa precária, caótica e desequilibrada existência. Porém, infelizmente, foi e é um esforço não suficiente para calar e fazer “dormir” para sempre o homem das cavernas que em nós ainda habita.
Pode parecer uma exagerada retórica e metáfora. Mas, se não assim, como explicar e compreender os vários, sucessivos e históricos atos de violência entre humanos?
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São as guerras de poder e território que arrastam milhares de jovens ao terror e à morte. As desavenças étnicas que ainda perturbam e dilaceram nações. A interminável violência física e mental sobre as mulheres e as crianças.
É cruel o tratamento que nega direitos e discrimina minorias social e comportamentalmente diferenciadas, sonegando-lhes o primário direito à paz espiritual e a realização de suas humanas emoções e necessidades.
Como explicar a violência mortal nas arquibancadas dos estádios de futebol? E os constantes atos explícitos de racismo? Como nominar as pessoas que agrediram e atearam fogo em mendigos?
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Como esquecer o índio pataxó que foi incinerado vivo em nossa moderna capital, conhecida e tombada como monumento cultural da humanidade (que ironia!)?
Simples, repito novamente aos meus filhos, hoje adultos, é o homem das cavernas que continua hibernando e habitando em nós, carente de educação e cultura, afeto e empatia. É o paradoxo humano!
O texto é de março de 2014, então publicado sob o título “O homem das cavernas”, hoje republicado em memória do congolês Moïse Kabagambe, recentemente assassinado no Rio de Janeiro, a cidade maravilhosa (outra ironia!).
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