A revelação ao público, pela polícia, da identidade do sequestrador de Zambinha, divulgada nas páginas da Gazeta do Sul, e a posterior apresentação e confissão de Carlos Ivan Fischer às autoridades, caiu como uma bomba na sociedade santa-cruzense. Sócio-proprietário de uma empresa especializada em reparos elétricos e bem relacionado junto às classes média e alta de Santa Cruz, Teco era conhecido por realizar trabalhos de qualidade em estabelecimentos e residências da região.
Nas noites de jogos de basquete da Pitt Corinthians, tinha como hábito parar junto à Avenida do Imigrante, ligar o rádio do carro em alto volume e abrir o porta-malas, para que todos pudessem acompanhar a narração das partidas na então Rádio Gazeta AM 1180 (atual FM 107,9). Porém, sua vida mudou ao fixar o primeiro ponto em sua ficha criminal, liderando o sequestro de Alexandre de Paula Dias há 30 anos, no estacionamento da Universidade de Santa Cruz do Sul (Unisc).
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Em 78 horas, entre 21 horas de 3 de maio e 3 horas de 7 de maio de 1994, Zambinha, como o estudante de 21 anos era conhecido, permaneceu vendado, algemado e acorrentado em uma árvore, em um cativeiro montado na localidade de Cava Funda, interior de Sinimbu. Até ser baleado no peito e jogado em uma lavoura, onde permaneceu agonizando por horas até ser salvo.
Entre as particularidades do caso, está a cobertura jornalística na época. Com uma flexibilidade de acesso peculiar se comparada aos tempos atuais, o repórter Ibanês Aloraldo entrevistou o sequestrador Teco dentro do presídio, antes mesmo de ele prestar depoimento à polícia. A atitude na época surpreendeu até o delegado Lionir José Lemes da Silva, pois foi na entrevista à Gazeta que o acusado confessou o crime pela primeira vez.
Ibanês Aloraldo, na época com 23 anos, permaneceu como repórter da Gazeta do Sul até dezembro de 1994, quando entrou para a Polícia Civil. Hoje com 53 anos e aposentado pelo Estado, ele conversou com a reportagem para a série O sequestro – 30 anos, e relembrou alguns dos bastidores da entrevista que fez com o sequestrador.
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“Consegui essa liberação para entrar no presídio e falar com ele, nessa época que tinha mais facilidade de acesso, não era tão rígido como hoje em dia”, contou. “Foi algo peculiar, porque foi bem tranquilo, no refeitório do presídio. Porém, ele não aceitou que eu registrasse com o ‘gravadorzão’ que eu tinha na época, nem que eu anotasse. Disse que seria apenas uma conversa”, explicou o ex-repórter.
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Ao sair do presídio, a história estava na cabeça do repórter policial. “Peguei todas as informações que podia, corri para o jornal e comecei a escrever na máquina. Já fui no caminho pensando no melhor ‘gancho’”, salientou Ibanês, que é natural de São Borja e veio para Santa Cruz com 17 anos para estudar Administração. Na cidade, foi safreiro, bancário no extinto Banco Real e, depois da Gazeta, em quase 30 anos de polícia, passou por delegacias como a Regional, Defrec, Ciretran, 1a DP e DPPA, onde se aposentou em dezembro de 2023.
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Mesmo em três décadas atuando na investigação de casos na Polícia Civil, nunca mais viu um como o que cobriu quando era repórter. “Para quem trabalha no jornalismo, um caso como esse do sequestro do Zambinha é um prato cheio. Esse tipo de situação acontecia em São Paulo, mas não aqui. Nem em Porto Alegre. Lembro que eu chegava na Gazeta e 6 horas da manhã já ia para a delegacia. Ficava o dia inteiro ali, apurando as informações para colocar na página policial, que sempre era a última do jornal.”
A entrevista com Carlos Ivan Fischer foi veiculada no dia 27 de maio de 1994. A manchete dava o tom do depoimento do sequestrador: “Teco diz que agiu sob ameaça.” Ao repórter, disse se considerar uma “vítima das circunstâncias e injustiçado”. Afirmou que havia sido vinculado a “uma coisa grande”, que envolvia questões obscuras, e pedia que seus amigos e pessoas com quem manteve qualquer relacionamento não o julgassem até que tudo fosse esclarecido.
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Conforme a história de Teco, alguns dias antes do crime, ele foi procurado por um estranho que “conhecia muito bem sua vida”, falando coisas sobre ele que poucas pessoas poderiam saber. Dias depois foi novamente procurado, mas dessa vez por uma dupla, que queria que ele fizesse um trabalho. Um deles falava a língua espanhola, com sotaque argentino.
Eles então deram a missão de sequestrar Alexandre, sob pena de Teco ser morto, junto de alguém de sua família. Primeiro, os ditos mandantes, chamados por ele de “os outros”, diziam que era para dar “um susto” em Zambinha. Depois, afirmaram que precisavam de um dinheiro para pagar uma compra que haviam feito. Apesar de dizer que negava os pedidos, o sequestrador teria cedido à pressão e, segundo ele, coagido, realizou o sequestro.
Emocionado, ao repórter Ibanês Aloraldo disse ainda que recebia instruções por bilhetes, e que seu primo, Luciano, envolveu-se no caso apenas para ajudá-lo, pois sentiu as dificuldades pelas quais passava. Contou ainda que pensou em se suicidar, mas que “os outros” garantiam que mesmo assim matariam alguém de sua família. Relatou que o tiro em Zambinha havia sido dado por um desses mandantes, e que chegou a viajar para Porto Seguro, na Bahia, mas resolveu voltar e se entregar, pois não queria viver fugindo e dizia acreditar na Justiça.
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A entrevista à Gazeta foi uma prévia do depoimento à polícia, dado no dia 31 de maio de 1994. Tanto ao repórter como para o delegado, Teco não revelou quem eram “os outros”, fato que não dava credibilidade às suas informações. Ele terminou indiciado pela Polícia Civil em 6 de julho de 1994, em um inquérito de 700 páginas, remetido à 1ª Vara Criminal de Santa Cruz do Sul.
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Assinado pelo delegado Lionir José Lemes da Silva, o documento imputava a ele crimes de extorsão mediante sequestro, tentativa de homicídio, formação de quadrilha, porte ilegal de arma de fogo e infração ao Código Brasileiro de Telecomunicações. Em sentença assinada pelo juiz Luís Felipe Paim Fernandes, publicada em 30 de novembro de 1994, Teco foi condenado a 18 anos de prisão.
O caso de sequestro de Zambinha foi o pontapé inicial na sua vasta carreira criminosa. Na ficha dele constam pelo menos quatro fugas do sistema penitenciário, três delas em função de regalias do regime semiaberto. Ele fugiu do Presídio Regional de Santa Cruz do Sul e foi capturado cerca de um ano e meio depois, sendo transferido ao Instituto Penal de Charqueadas.
Após receber dispensa temporária, Teco voltou a desaparecer em 21 de fevereiro de 2001 e foi preso novamente em 15 de abril daquele ano, em Porto Alegre. Após esse período, outra vez recebeu dispensa e não se apresentou. Depois de passar três anos foragido, Teco tornou a ficar atrás das grades em maio de 2004. Nessa época, ele já figurava com destaque no noticiário policial gaúcho, apontado como mentor do assaltante de carros-fortes José Carlos dos Santos, o Seco.
Conforme as apurações do Departamento Estadual de Investigações Criminais (Deic), em uma das fugas, em maio de 2008, ele escapou da Penitenciária de Alta Segurança de Charqueadas (Pasc) e se juntou a uma quadrilha de ladrões de banco. O grupo usava armamento pesado e sitiava pequenas cidades durante os ataques. Entre as ações atribuídas ao bando estão os assaltos simultâneos ao Banrisul e ao Banco do Brasil de Triunfo, em 5 de junho de 2008.
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Na ocasião, a quadrilha tomou a cidade, abriu fogo contra viaturas da Brigada Militar e seguiu até o Rio Taquari, onde desapareceu usando lanchas. Teco foi indiciado como participante desse roubo. O santa-cruzense também foi apontado pelo Deic como possível mentor do roubo de um carro-forte ocorrido dentro do campus da Universidade de Caxias do Sul (UCS), em 19 de novembro de 2009.
O veículo foi levado por bandidos que usavam uniformes semelhantes aos dos guardas da transportadora de valores. Aproximadamente R$ 1,5 milhão foi roubado. Voltou a ser capturado em 14 de janeiro de 2010, em Canoas. Posteriormente, Teco foi transferido para a Colônia Penal Agrícola (Cpava) de Mariante, em Venâncio Aires. Porém, ganhou liberdade condicional em 14 de maio de 2013.
Após 20 anos dedicados à criminalidade, Teco foi morto durante uma operação histórica, deflagrada pela antiga Delegacia Especializada de Furtos, Roubos, Entorpecentes e Capturas (Defrec) de Santa Cruz do Sul, que surpreendeu o Estado em 6 de junho de 2014. Naquela sexta-feira, pela manhã, o criminoso e seu bando pretendiam roubar um carro-forte e chegaram a jogar um caminhão contra o blindado nas proximidades da Curva das Cobras, em Sobradinho, na ERS-400. O que Teco não suspeitava é que a polícia já sabia do plano que ele pretendia executar.
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Coordenados pelo delegado Luciano Menezes, policiais civis surpreenderam a quadrilha. Surgindo em meio aos matagais, cerca de 50 agentes fecharam o cerco. A troca de tiros foi inevitável e culminou na morte de Teco, dando fim a uma trajetória marcada por assaltos e outros crimes. Márcio Pereira de Souza, o Chapolin, e André Rodrigues Pereira, o Boca de Lata, também acabaram mortos no tiroteio. Fernando Pereira da Silva, baleado, tentou escapar pelo mato, mas foi capturado.
“Conseguimos tirar de circulação o chefe dessa quadrilha, o maior expoente hoje em operação na Região Sul do País”, afirmou Menezes na época, referindo-se a Teco. “Ele entrou no crime, ganhou fama com o primeiro sequestro e foi acumulando know-how. Era extremamente inteligente, organizado e meticuloso no planejamento. Também era violento e exercia liderança”, complementou o delegado responsável pela operação.
Desde o início da ocorrência de sequestro de Zambinha, além de exigirem US$ 200 mil e 10 milhões de cruzeiros para liberar o estudante, os sequestradores pediam que a polícia e a imprensa ficassem de fora do caso, senão matariam o filho de Carlos Mariano Dias, à época com 53 anos. Já calejado pelas mortes dos dois filhos mais velhos em graves acidentes, o diretor de Marketing da multinacional Pioneer Sementes pediu à Gazeta do Sul que não revelasse informações no jornal.
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O pedido era para não criar atrito com a quadrilha e, assim, evitar uma tragédia com o terceiro e último filho que lhe restava. Em um gesto de empatia, a direção da época atendeu ao pedido, embora soubesse do andamento das buscas e apurações. O caso e seus bastidores foram revelados após a localização do estudante, em um suplemento especial de quatro páginas, na edição de 10 de maio de 1994.
Além de detalhar os passos da polícia nas buscas pelos autores, o repórter Ibanês Aloraldo produziu um mapa com o roteiro do sequestro passo a passo. Na mesma edição, a Gazeta do Sul publicou um artigo (confira acima) em que explica a postura adotada. “A família pediu sigilo, e a Gazeta concordou para não colocar em risco a vida do Zambinha. Depois que ele foi salvo, aí começamos a revelar os detalhes do caso e fizemos ampla cobertura, colocando tudo no papel”, comentou Ibanês.
Mesmo com a conversa com o sequestrador dias depois, o repórter nunca conseguiu entrevistar Zambinha, por uma série de fatores. “Ele tinha sido baleado, passou por cirurgias. Tentamos, mas ele não queria falar naquele momento. E depois não tive mais contato com ele, pois a família o protegeu de ficar na mídia, tirando-o da cidade.” Passadas três décadas, no entanto, ele resolveu falar para a série O sequestro – 30 anos. Sua primeira entrevista sobre o caso foi veiculada no podcast Papo de Polícia, e será detalhada na última reportagem da série.
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