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200 ANOS DE IMIGRAÇÃO ALEMÃ

A colonização alemã em território baiano

Gravura ilustra a Fazenda Pombal, da Colônia Leopoldina, formada por alemães no Sul da Bahia

A colonização do Sul do Brasil sequer era uma hipótese (aliás, nem o país se independera de Portugal) quando um primeiro assentamento com alemães ocorreu. Na Bahia. Ainda em 1818, imigrantes foram encaminhados até as imediações de Ilhéus para, ali, ensaiar um núcleo de produção agrícola a ser conduzido de forma coletiva, a Colônia Leopoldina. Pelo fato de aquele grupo não ser muito grande e, além disso, não ter se adaptado bem nem ao clima nem ao tipo de cultivo, não chegou a progredir como depois ocorreria no Sul.

Mas isso não impediu que outros assentamentos com colonos alemães surgissem nos anos seguintes na Bahia. No mesmo ano de 1824 em que os primeiros imigrantes chegaram à atual São Leopoldo, outro núcleo, a Colônia de Frankental surgia nas cercanias de Una, também no Sul baiano. E várias outras iniciativas houve nos anos seguintes, a ponto de, para a história, os alemães terem dado importante contribuição à Bahia.

Primeiros assentamentos no país ocorreram no Sul da Bahia

Ainda que no Sul do Brasil as marcas advindas da colonização alemã efetivada ao longo do século 19 sejam amplamente conhecidas e reconhecidas até os dias atuais, várias outras regiões do País guardam na memória as contribuições dessa etnia. E é compreensível que no Nordeste e no Sudeste (para onde eram mais frequentes as visitas de estrangeiros durante o período em que o Brasil era colônia de Portugal) algumas experiências de ocupação de territórios também fossem ensaiadas.

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Georg Anton von Schaeffer (1779-1836)

Foi o caso do Sul da Bahia, área na qual uma tentativa de assentamento de alemães ocorreu já em 1818, meses depois que a austríaca Leopoldina havia chegado ao Brasil para suas núpcias com Dom Pedro I. Nas imediações de Ilhéus surgiu, na Fazenda Pombal, uma colônia justamente chamada de Leopoldina, em homenagem à princesa. Que se tornaria imperatriz tão logo o Brasil se independeu de Portugal, em 1822.

E graças ao empenho tanto de Dom Pedro quanto de Leopoldina de atrair imigrantes, seja para compor uma guarda de proteção ao monarca, seja para cultivo agrícola, novas tentativas de trazer imigrantes europeus foram efetivadas. Assim, em 1824 o major Georg Anton von Schaefer, amigo de Leopoldina e de Dom Pedro I, implementou a Colônia de Frankental, próximo a Una. O foco era a produção de cacau, entre outros itens de subsistência. Schaefer igualmente intermediou a vinda de colonos para o Rio Grande do Sul.

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São temas que encantam a professora baiana Albene Miriam Menezes Klemi. Professora de História na Universidade de Brasília (UnB) há mais de três décadas, desenvolve linha de pesquisa na qual resgata circunstâncias da colonização alemã em território baiano.

Natural de Ipiaú, município de 45 mil habitantes, situado entre Jequié, Itabuna e Ilhéus, a 360 quilômetros de Salvador, desde menina acostumou-se a ter referências sobre a presença de alemães na região. Mais tarde, em 1977, cursou História na Universidade Federal da Bahia (UFBA), na capital, e fez doutorado em História Moderna e Contemporânea na Universidade de Hamburgo, na Alemanha. Quando retornou, e depois de alguns anos de vínculo com a UFBA, transferiu-se para a UnB, onde até hoje segue com seus estudos atentos às contribuições germânicas à Bahia.

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Entre os cultivos estavam o cacau e o tabaco

Marcas: portal do Cemitério dos Protestantes, ou Cemitério dos Alemães, em Cachoeira, na Bahia

Numa coincidência do destino, um produto agrícola acabou por aparecer na rotina dos alemães tanto no Sul do Brasil quanto na Bahia: o tabaco. A historiadora e professora Albene Miriam Menezes Klemi, da UnB, frisa que o primeiro núcleo criado nas imediações de Ilhéus, da Colônia Leopoldina, ou Leopoldínia, envolveu a exploração do cacau, principal fonte de receita naquela área.

Mas, ainda que houvesse a presença de colonos alemães, aquela iniciativa envolveu amplamente mão de obra escrava, então ainda não vedada aos estrangeiros, como viria a ocorrer no Sul do País. A experiência daquele assentamento acabou não vingando como as colônias do Rio Grande do Sul.

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No contexto da independência surgiu ainda a Colônia de São Jorge dos Ilhéus, ou São Jorge da Cachoeira. Já em Cachoeira, bem como na vizinha São Félix, no Recôncavo Baiano, e no entorno, os alemães investiram no tabaco escuro, para charutos, e foram estratégicos para a exportação desse produto, tendo como base o porto de Bremen.

Vários núcleos

A professora e historiadora Albene Miriam Menezes Klemi refere que a primeira experiência de assentamento de alemães no Sul da Bahia envolveu as colônias Leopoldina (1818), Frankental (1824), Fazenda, depois Colônia Almada (1815,1817); e Cachoeira (1818-1822). Algumas décadas mais tarde surgiu a Colônia Moniz (1873), na Fazenda Comandatuva, região da bacia do Rio Una. Ao lado dos alemães, de forma crescente começaram a surgir imigrantes de outras origens europeias.

E mesmo que nos anos seguintes essas colônias não tenham mantido uma unidade étnica como ocorreu no Sul do Brasil, os germânicos e seus descendentes tiveram uma contribuição importante na colocação do cacau, produto regional, no mercado internacional, com as exportações via porto de Hamburgo.

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Em um segundo momento, em meados do século 19, ocorreram os assentamentos com colonos germânicos na região do tabaco, e novamente foram importantes no sentido de expandir o setor. O fomento à industrialização e à inserção desses produtos no mercado internacional teve uma efetiva ação alemã.

Relevantes nas artes e na medicina

Professora e historiadora Albene Klemi, da UnB

Mesmo que não tenha registrado uma colonização intensiva de amplas regiões do Estado como se verificou no Sul do País, a Bahia manteve, nos dois últimos séculos, uma relação forte e dinâmica com imigrantes alemães e seus descendentes. A professora e historiadora Albene Miriam Menezes Klemi frisa que essa contribuição acaba por se verificar em áreas que, muitas vezes, escapam a um olhar menos demorado, ou desatento.

Por exemplo, segundo ela, em diferentes momentos alemães que se estabeleceram na Bahia (na capital ou no interior) foram decisivos para o empreendedorismo e a industrialização, inclusive liderando os negócios de exportação. O estímulo à produção agrícola, de forma empresarial, é outra marca. Em paralelo, a dedicação à medicina e à saúde pública, com estudos de vanguarda e com forte reflexo sobre a qualidade de vida da população. O mesmo ocorreu com a educação, com alguns professores que vieram da Alemanha.

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Mas um aspecto que Albene aponta é a atuação na área das artes e da cultura, principalmente na qualificação e no aprimoramento em música e teatro. Isso ocorreu em especial a partir de imigrantes que chegaram a Salvador após a Segunda Guerra Mundial. Ao se dedicarem a oficinas, nessas modalidades, contribuíram para o aperfeiçoamento de futuros expoentes da música e do teatro na Bahia e no Brasil, na época que precedeu o movimento artístico do Tropicalismo.

Em relação à Segunda Guerra, Albene menciona outro fato de forte significado: durante esse conflito, e em meio a um cenário nacional de “tensão” quanto a possíveis espiões da Alemanha de Hitler no território, cidadãos alemães na Bahia foram recolhidos a um campo de confinamento na região de Maracás, hoje município de 28 mil habitantes, no Centro-Sul do Estado, a 215 quilômetros de Salvador. Naquele período, mais de 500 alemães viviam na Bahia, e o que o governo entendia como “suspeitos” eram afastados da família e para lá encaminhados.

Na conversa com a Gazeta do Sul, por telefone, Albene enfatizou que os alemães sempre foram bem acolhidos no Estado, assim como muitas outras etnias que, ao longo das décadas, fixaram-se nas diversas regiões baianas. Mais recentemente, migrações massivas envolveram gaúchos, em especial para o Oeste, já mais próximo de Brasília. Ali, a exemplo dos colonos pioneiros do século 19, investem na produção agrícola, hoje, naturalmente, em grandes propriedades de perfil empresarial.

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Além das marcas coletivas que os colonos alemães e seus descendentes deixaram na socioeconomia e na cultura baianas, muitos personagens firmaram seu nome na história. Em termos de memória, o chamado Cemitério dos Protestantes, ou Cemitério dos Alemães, em Cachoeira, é de meados do século 19, e nele foram sepultados imigrantes.

ENTREVISTA

Albene Miriam Menezes Klemi
Historiadora, professora da Universidade de Brasília (UnB)

“A presença alemã é disseminada na Bahia”

Como ocorreu o envolvimento da senhora com o tema da imigração alemã na Bahia?

Eu tinha sempre muita simpatia pelos alemães, pela presença alemã na Bahia. E sempre me interessei em ler sobre a Alemanha, desde garota. Estudei em Ipiaú, minha cidade; fiz graduação em História na UFBA, e então fui para Hamburgo, com bolsa da Fundação Konrad Adenauer, para o doutorado. A colonização era parte de um tema geral que estava trabalhando, o das relações comerciais do Brasil com a Alemanha, dando ênfase ao comércio do cacau. Ao falar do histórico, isso passava pela presença dos alemães no Sul da Bahia. Mas a gente tem de observar o seguinte: a presença dos alemães na Bahia se espalhou por várias localidades, não apenas no Sul. Tem esse núcleo, sim, que é lembrado, mas houve forte presença no Recôncavo Baiano também. E não só nesses dois espaços. A presença alemã é disseminada em vários outros núcleos e colônias.

Os do Sul em geral são mais citados…

Claro, e são importantes também, esses primeiros núcleos, porque foram os pioneiros alemães de lá que introduziram o cacau no mercado internacional. No início do século 19 as plantações de cacau já existiam, mas eles deram um impulso forte ao comércio com o exterior. Mas, se formos falar de modo geral dos alemães na Bahia, é preciso ver também os núcleos e as colônias no Recôncavo Baiano e em Salvador.

Quais as razões para que as colônias no Sul da Bahia não tenham tido pleno êxito?

No Sul, um dos principais motivos é a questão da má recepção, do despreparo para recepcioná-los. E ficaram em pontos extremamente complicados; colocaram os imigrantes, que vinham de clima frio, junto de pântanos, repletos de mosquitos, transmissores de doenças endêmicas. Essa localização, quando havia outros pontos para onde os imigrantes podiam ter ido, é um fator muito importante. Quando chegaram, não tinham alojamento, precisaram construir tudo, sair do zero; isso minou as forças deles. Também havia o clima muito diferente, e a geografia. Uma vez que falavam alemão, estavam muito isolados. Mais adiante, em outra época, talvez tivesse dado certo. Muitos saíram de lá e foram para outros lugares, inclusive para o Sul do Brasil.

E os que chegaram ao Recôncavo?

Os primeiros do Recôncavo Baiano foram até para canaviais. E havia o tabaco, que era tido como cultura do pobre, da agricultura familiar. Mas os alemães deram grande impulso a esse setor. Na década de 1870, fundaram a indústria tabageira, de charutos, e passaram a dominar o comércio internacional do produto. Dois grandes portos alemães atraíam o comércio global: Hamburgo, para onde ia o cacau do Sul da Bahia, e Bremen, para onde ia o tabaco. A Alemanha importava cacau e tabaco da Bahia e fazia o comércio triangular, reexportava para o leste da Europa, para a Rússia. Isso mostra a força deles nesse comércio.

O fomento à industrialização ocorreu em outras regiões do Estado?

Sim, em vários pontos da Bahia. O próprio D. João VI antes já trazia da Alemanha, e da Europa toda, profissionais da metalurgia, da medicina. Vieram muitos médicos alemães, caso de Otto Edward Henry Wucherer (1820-1873). Graças à ação deles depois surge a Escola Baiana de Medicina. O Otto foi pioneiro em algumas experiências. Isso é superimportante. Houve marcas alemãs em diferentes momentos, no comércio, na educação, na saúde, com as óticas. E, no pós-Segunda Guerra Mundial, com a presença inovadora para revolucionar a música brasileira, com centros de irradiação cultural, em arte.

Em que áreas?

Na música e no teatro, principalmente. Sobre isso, tenho artigo inédito, de título “Soar da modernidade”. Nos anos de 1950 e 1960, o reitor da UFBA, Edgard Santos, vai incentivar muito a cultura. O que ele faz? Havia muitos jovens músicos, talentosos, e também o pessoal do teatro, desempregados. Pois ele convidou alemães, na Alemanha, e ainda gente em outros países, para vir ensinar aqui. Isso alargou muito a influência.
Junto com músicos brasileiros, esses estrangeiros, entre eles Hans-Joachim Koellreutter, ajudaram a criar a Escola de Música da UFBA e também a de teatro. Koellreutter promoveu seminários abertos. Foram revolucionários. Tom Jobim assistiu, e se diz que até Caetano Veloso. É um capítulo muito interessante. Na segunda metade do século 19 foram criadas ainda escolas para atender as colônias alemãs, com professores contratados no território que depois se tornaria a Alemanha, com a unificação. Os baianos da elite local iam estudar ali também,
e até eram alfabetizados em alemão.

Haverá comemoração no Estado em função da passagem dos 200 anos de imigração?

Não se vê esse movimento de comemoração. Claro que estou mais distante, aqui em Brasília, mas mantenho contato regular com meus parentes, em Ilhéus. No sul não tem notícia, e nem no Recôncavo. Ao longo do tempo se passa a ter a valorização de outras culturas, antes não tão valorizadas, mas a história é a história, né? Tem toda a importância desse período da industrialização, da presença de médicos alemães, professores, artistas. Em Cachoeira e São Félix há o Museu Hansen Bahia, um artista plástico, criado em 1976. Mas há pouca atenção a memoriais.

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