Era um cão. Um pitbull, garantia respeitável de defesa do patrimônio. Grande, assustador, andava sempre solto no pátio. Se nada chamasse a atenção dele, podia passar o tempo quieto, encolhido em um canto. Mas bastava passar alguém em frente para começar a latir e até se jogar contra a cerca gradeada, de maneira violenta. Por vezes, o animal chegava a se ferir com os impactos.

Mas era muito bem tratado pelo tutor, que o estimava, conversava com o cachorro como se humano fosse. Ele era acolhido como membro da família. Em certas ocasiões, sentia que até poderia falar, pronunciar palavras e sons humanos, não só grunhidos e rosnados. Contudo, era apenas uma ideia que lhe ocorria e se desvanecia. Uma espécie de sonho. Assim como era um sonho andar pelas ruas sem uma coleira no pescoço, livre como as pessoas que via.
Um dia, o cão aproveitou que o portão tinha ficado destrancado e saiu. E mesmo que estivesse naquela casa há anos, desde que era um filhote, ganhou as ruas e não retornou. O tutor, um atarefado empresário, mobilizou amigos e grupos de protetores, mas foi em vão. Nunca mais encontrou o animal.

O dono não entendeu aquela fuga repentina, mas havia outras coisas que ele não compreendia. Por exemplo, não sabia que o ímpeto do cão, quando se arremessava contra a cerca, significava mais do que hostilidade em relação à presença de estranhos. Havia um instinto básico de liberdade, atiçado sempre que o animal prestava atenção na vida do outro lado das grades.

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Passaram-se alguns anos. Num fim de tarde, o empresário voltava para casa a pé e, pela primeira vez, reparou mais atento em um homem que costumava sentar-se ao meio-fio, perto da residência dele. Fazia uns cinco dias que ele rondava por ali. Maltrapilho, não parecia se distinguir dos moradores de rua que vinham se multiplicando pela cidade nos últimos tempos, inclusive nas chamadas “áreas nobres”. “Já passou da hora de instalar uma câmera”, pensou inquieto, antes de entrar. Sentiu ter visto algo familiar no olhar do estranho, algo que o perturbou, mas tratou de esquecer o assunto. Não descobriu nada. Ao contrário do cão, que agora sabe que nem todos os homens são livres.

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Carina Weber

Carina Hörbe Weber, de 37 anos, é natural de Cachoeira do Sul. É formada em Jornalismo pela Universidade de Santa Cruz do Sul (Unisc) e mestre em Desenvolvimento Regional pela mesma instituição. Iniciou carreira profissional em Cachoeira do Sul com experiência em assessoria de comunicação em um clube da cidade e na produção e apresentação de programas em emissora de rádio local, durante a graduação. Após formada, se dedicou à Academia por dois anos em curso de Mestrado como bolsista da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). Teve a oportunidade de exercitar a docência em estágio proporcionado pelo curso. Após a conclusão do Mestrado retornou ao mercado de trabalho. Por dez anos atuou como assessora de comunicação em uma organização sindical. No ofício desempenhou várias funções, dentre elas: produção de textos, apresentação e produção de programa de rádio, produção de textos e alimentação de conteúdo de site institucional, protocolos e comunicação interna. Há dois anos trabalha como repórter multimídia na Gazeta Grupo de Comunicações, tendo a oportunidade de produzir e apresentar programa em vídeo diário.

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