Em Um rio imita o Reno, obra-prima da literatura brasileira, lançada em 1938, o gaúcho Vianna Moog (1906-1988) apresenta ao leitor a cidade fictícia de Blumental, costumeiramente associada a sua terra natal, São Leopoldo, ou à vizinha Novo Hamburgo. As duas de fato estão às margens do Rio dos Sinos, pelo qual chegaram os primeiros imigrantes alemães até o local onde seria instalada a colônia oficial de São Leopoldo. Mas talvez não sejam apenas São Leopoldo ou Novo Hamburgo o modelo que Moog tivesse em mente quando forjou o enredo do romance. Talvez a pequena cidade de Santa Cruz, da década de 1920, possa ter particularmente inspirado o autor.
Clodomir Vianna Moog nasceu em São Leopoldo, em 28 de outubro de 1906, menos de um ano depois que em Santa Cruz foram inauguradas a Estação Férrea e a ligação ferroviária com Ramiz Galvão, bem como Santa Cruz, na mesma data, foi elevada à categoria de cidade. Clodomir era filho do funcionário público federal Marcos Moog e da professora pública Maria da Glória Viana. Começou sua caminhada de estudos na escola pública dirigida por sua mãe e depois se transferiu para o Colégio Elementar Visconde de São Leopoldo.
Com a morte da mãe, ainda estudou em Canoas, Hamburgo Velho e Porto Alegre, onde concluiu o preparatório. Já com essa base educacional, quis fazer carreira no Exército, e viajou ao Rio de Janeiro, mas desistiu, retornando a Porto Alegre. Depois de trabalhar por um tempo no comércio, começou a Faculdade de Direito em 1925.
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Já em 1926, quando completaria 20 anos, prestou concurso para agente fiscal de imposto de consumo, e a primeira cidade na qual serviu foi Santa Cruz, por dois anos. Ao viajar para o interior, Vianna Moog se deparou com uma pacata e já pujante cidade, recém-elevada a essa condição, e que já respirava os ares de internacionalização de sua economia a partir da instalação, poucos anos antes, em 1918, da British American Tobacco (BAT), a empresa inglesa que depois assumiria o nome de Souza Cruz.
Dois anos de convívio no centro da cidade
Que ambientes o jovem Vianna Moog terá frequentado em sua nova cidade de moradia? Em especial o Centro, ao que tudo indica. E, a partir dele, terá captado toda a atmosfera de uma cidadezinha ainda provinciana, isolada em relação a centros maiores, voltada para si própria, ciente de seu forte desenvolvimento, e das suas características de colonização alemã. Onde o fiscal de imposto de consumo ficou hospedado? Quem informa é o professor e historiador Hardy Elmiro Martin, que foi colunista e colaborador da Gazeta do Sul desde 1968, até seu falecimento, em 5 de julho de 1996.
Um dos textos que publicou na Gazeta foi selecionado pelos professores Olgário Paulo Vogt e Ana Carla Wünsch para o livro Recortes do passado de Santa Cruz, compilação de artigos do professor Martin. E é ali que refere que Vianna Moog ficou hospedado no Hotel Hübner, também chamado de Hotel das Moças, que ficava no mesmo local onde hoje se situa o Banco do Brasil, na Rua Marechal Deodoro. Ou seja, Moog tinha diante de si o lado leste da praça central, com generosa vista para o vale em direção ao Rio Pardinho, à Estação Férrea, ao icônico Botucaraí e, no horizonte, ao sol poente.
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O curioso é que, certamente, assunto corrente na época terá sido a obra da nova hidráulica de Santa Cruz, que viera resolver em boa parte problemas no abastecimento de água. Os novos reservatórios haviam sido construídos no Parque da Gruta, em complexa logística, com equipamentos trazidos da Alemanha. As primeiras ligações domiciliares começaram a ser efetuadas em 1908, e se estenderam pelas 30 quadras da cidade ao longo dos meses seguintes.
Depois de dois anos em Santa Cruz e de outro em Rio Grande, Moog formou-se em Direito em 1930. E se envolveu na política, participando da Revolução Constitucionalista de 1932. Foi preso, e transferido para Manaus, e de lá a Teresina, no Piauí. Anistiado, voltou ao Sul em 1934. E foi na temporada de exilado no Norte que começou a escrever. Um rio imita o Reno causou sensação quando foi lançado, em 1938, e logo ganhou o prestigioso Prêmio Graça Aranha. Ainda publicou os ensaios Heróis da decadência, em 1939, e Uma interpretação da literatura brasileira, em 1942, mas foi o romance que motivou seu ingresso na Academia Brasileira de Letras, em 20 de setembro de 1945, na cadeira nº 4.
Em Um rio imita o Reno, o protagonista Geraldo Torres deixa o Amazonas (onde Vianna estivera em exílio) para, na condição de engenheiro sanitarista, coordenar a obra de hidráulica na cidade de Blumental, colônia alemã no interior gaúcho. Ali conhece e se encanta pela jovem Lore Wolff, paixão que teria o empecilho racial. Não é curioso?
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O livro projetaria o nome de Moog para a posteridade. Ele cumpriu carreira em organismos públicos, no País e no exterior (México, EUA, Genebra). Morreu, por parada cardíaca, em 15 de janeiro de 1988, no Rio, onde estava radicado. Terá voltado a Santa Cruz? Claro! E em grande companhia. Como narra Gilberto Freyre, em O mundo que o português criou, de 1940, Moog o ciceroneou, no fim da década de 30, ao lado de outro gigante, José Lins do Rego, num roteiro por cidades de colonização alemã no Sul do Brasil, entre elas Blumenau, Joinville, São Leopoldo e… Santa Cruz. Ou seja: Moog veio rever a paisagem que lhe era tão familiar.
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