As semanas que antecedem a Páscoa sempre vêm acompanhadas de uma missão lá em casa: encontrar um galho seco ideal para a árvore pascalina. Para as gurias, o galho precisa ser perfeito – repleto de prolongamentos menores, em todas as direções, nos quais elas penduram casquinhas de ovos pintadas à mão. Logo, esse período também gera uma mudança em nossa dieta, que passa a ter predomínio de ovos fritos, como forma de reunir um bom número de casquinhas (já considerando uma margem de erro, ocasionada pela eventual quebra de algumas).
É ovo frito no almoço e ovo frito no jantar. Menos no café da manhã, pois fritura de manhã cedo nos embrulha o estômago pelo resto do dia. A complexidade da operação toda, portanto, já começa na hora de abrir os ovos para cozinhá-los. Obviamente, não se pode parti-los ao meio contra a borda da frigideira, como é praxe em tempos não quaresmais. É necessária certa precisão, de forma a abrir um buraquinho em uma das extremidades, pelo qual a gema escorrega em direção à frigideira. É por esse buraco que a casca, uma vez pintada, será suspensa nas ramificações do galho seco, dando contorno à árvore de Páscoa.
Simples?
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Só que não!
Neste ano, a maior dificuldade foi encontrar o galho perfeito. Nenhum dos que recolhi, durante longa expedição ao quintal, agradou às gurias. Ora o galho era muito curvo, ora tinha poucas ramificações onde pendurar as cascas. Procura daqui, serra dali, a solução foi reunir três galhos mais modestos, mas que, juntos, proporcionassem suficientes suportes às casquinhas. Espetados em um vaso com areia, converteram-se em uma espécie de rizoma que, no fim das contas, serviu ao propósito. E a árvore pascalina já está montada na sala lá de casa, recoberta por casquinhas multicoloridas e instalada em local seguro, a salvo de esbarrões causados pelos mais estabanados.
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Sabe-se que os ovos tornaram-se um símbolo pascalino porque representam vida nova. Os mais céticos podem achar isso estranho, considerando que, via de regra, essa vida nova acaba na frigideira. Contudo, o que vale é a metáfora, a simbologia que nos faz relembrar o sentido da Páscoa e, quiçá, acende em nosso espírito a chama da mudança, o anseio por uma vida mais pacífica e caridosa.
E lá em casa a árvore pascalina adquiriu, para as crianças, um caráter a mais de importância. É junto a ela que o Coelho deposita algumas guloseimas, em eventuais entradas furtivas, à noite, no período que antecede o domingo de Páscoa. Logo, sem árvore, sem guloseimas.
Porém, dias atrás nossa caçula, Ágatha, ficou intrigada ao deparar-se com alguns chocolates sob a árvore. Após minuciosa inspeção no ambiente, veio revelar o motivo:
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– O Coelho andou por aqui e não deixou pegadas…
De fato, em outras ocasiões as andanças do Coelho deixaram rastros pela casa – além de cenouras roídas, incontáveis marcas de patinhas sobre o piso, algumas até difíceis de limpar. Desta vez, entretanto, o Coelho parece ter sido mais cuidadoso, o que provocou na caçula uma certa desconfiança.
– Será que foi ele mesmo que deixou esses doces?
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Argumentei que o fenômeno deve ter relação com a pandemia: o Coelho certamente anda higienizando as patas com álcool gel. E a traquinas, aparentemente convencida, foi comer seu chocolate.
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Cumpre citar que as gurias se puxaram na pintura das casquinhas. Algumas das cascas, inclusive, ganharam contornos de emojis, com as mais variadas carinhas sorridentes – um reflexo destes tempos modernos. Yasmin, dotada de um espírito zombeteiro que não sei de quem herdou, ainda cogitou pintar, em uma das casquinhas, uma reprodução do emoji de cocô – segundo ela, para dar um susto no Coelho. Mas as irmãs a fizeram desistir da peraltice.
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– Vai que o Coelho não goste…
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As gurias também se perguntam como o Coelho consegue se desdobrar para atender a todas as crianças do mundo. Sabe-se que o Papai Noel, por exemplo, conta com os préstimos de um batalhão de duendes – mas esse não é o caso do Coelho. Ao que consta, o Coelho trabalha sozinho.
Porém, nós, adultos, sabemos que, para fazer a alegria de muitas crianças, o Coelho necessita de voluntariosa ajuda, principalmente em tempos de crise. Fica, portanto, este convite ao amigo leitor: que tal nos transformarmos em ajudantes do Coelho nesta Páscoa – não só para os nossos filhos, mas também para os filhos de quem mais precisa? Isso também é prenúncio de uma mudança de vida!
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