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Resenha: “Todas as Minhas Mortes”

Artista multidisciplinar carioca Paula Klien estreia em livro no qual experiências traumáticas motivam reflexão sobre resiliência e superação

Aliteratura (a arte em geral) tem o poder de ampliar horizontes, emocionar, sensibilizar, estarrecer, comover e fazer refletir. Tudo isso junto e muito mais. Mas são raros, muito raros os livros que conseguem impactar da maneira como o faz o romance Todas as minhas mortes, da artista visual carioca Paula Klien, que estreia efetivamente na publicação com essa obra, lançada sob o selo da editora porto-alegrense Citadel.

É um texto que mexe com o leitor porque lida justamente com o que aponta no título: mortes. Muitas mortes. Mortes de si mesmo, e mortes do que foi gestado em si. Menos mal que, se vem referido assim, no plural, é porque entre uma e outra houve também renascimento. E, portanto, segue havendo vida. Vida vivida com sabedoria. Mas com marcas, cicatrizes, lembranças. E é dessa memória (intermitente) que se forja um dos mais densos (e, no entanto, por mais paradoxal que possa parecer, leves, afetuosos) romances contemporâneos no Brasil. E com a nuança de autoficção.

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É obra declaradamente de…sobrevivente. E de mulher madura, vivida, que, por experiência e sem tempo a perder com pudores moralistas, não tem papas na língua. Forja assim um estilo peculiar, apoiado, desde a primeira linha, no erotismo à flor da pele, na sensualidade, na feminilidade e na entrega. Entrega a seus próprios prazeres, com uma autêntica exposição de corpo e alma ao escrutínio do leitor.

O romance traz a história de Laví, que se anuncia sem titubear na busca frenética da felicidade e do prazer, para os quais se sentia plenamente impelida. Até se deparar com o inesperado: uma gravidez. Que, pelas circunstâncias, precisa ser interrompida. Uma vez que nem tudo (ou quase nada) sai como previsto ou planejado, sucede-se uma convalescença extremamente complicada.

Com esta enfim superada, e com a sinalização do destino de que, afinal, depois da tempestade viria a bonança (que atende pelo nome de amor), vem uma provação muito, mas muito maior e mais tensa e intensa do que a anterior: uma nova gravidez de risco, muito além do que seria imaginável. O leitor depara-se com uma personagem que, com a narração em primeira pessoa e numa reflexão espontânea, em fluxo de consciência, detalha as sucessivas descidas ao inferno. Mas por lá não fica. Não ficaria. Volta para nos entregar arte, literatura, da mais alta qualidade.

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Uma aula de resiliência

Paula Klien é artista plástica com obra projetada para o mundo, na vertente do expressionismo abstrato, e também fotógrafa. Na próxima sexta-feira, ela completará 56 anos. A partir das circunstâncias vivenciadas pela personagem Laví, a protagonista, Todas as minhas mortes estabelece uma conexão forte com obras literárias clássicas e também com a filosofia, a psicologia e a psicanálise.

As Notas do subsolo de Dostoiévski estariam devidamente inferidas. Mas também as interpretações relacionadas a erotismo e sensualidade, ao exercício do autoprazer, as “pequenas mortes” de cada orgasmo. De certo modo, é como se a cada morte o instante seguinte, o do renascimento, do restabelecimento, abrisse a mente para o júbilo. Do inferno ao paraíso, e então cumpre viver tudo o que há para ser vivido, ou que puder ser vivido. Com lucidez e entrega plena.

Laví, a narradora-protagonista, recorre a um expediente para acessar suas lembranças ou memórias: uma árvore que denomina de gavoeteiro, composta por gavetas. É dela que se vale ao longo da composição.
“Não sei qual é o meu segredo para manter a sensatez neste mundo sem bom juízo das coisas. Decerto, minha árvore das gavetas ajuda. Durante essa escrita, abri todas as gavetas da árvore. Eu te confesso que não foi fácil revisitar muitas delas. A grande maioria nem sequer mencionei. Escolhi o que deu. A árvore é imensa. Minha raiz é profunda: vai ao centro da Terra – lá no miolo. Os galhos sobem pela minha cabeça e batem no céu. Há uma gaveta cheia de pipas e, dentro dela, uma instrução: ‘Empine-as e faça-as voar alto, mas jamais solte a linha. Traga-as de volta!’ Foi soltando pipa que ganhei experiência de mundo em outra dimensão.”

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É com poesia, sensibilidade e lirismo, como se pode entrever, que Paula Klien comove e compartilha com o leitor (e, particularmente, percebe-se, com a leitora) uma aula de resiliência e de superação. E, claro, de amor.

“Falemos de beleza, por ora. Falemos de beleza enquanto te engabelo. Enquanto te engabelo, pero no tanto, já que minhas memórias, depois de terem roubado as vestes das verdades, parecem ter sido desnudadas por outro ladrão – que sorte a minha. Perdoe-me se, para falar da beleza, me vejo obrigada a voltar à verdade. Verdade: raiz da vida! Perdoe-me você, se é do tipo que diz gostar da verdade, mas apenas daquela que lhe convém gostar – apenas daquela que é, em verdade, a mentira fantasiada. Perdoe-me se, para falar da beleza, preciso da verdade: verdade nua e crua. Pois a grande beleza da vida está na importância das raízes. Esquecê-las ou negá-las é perder-se no vazio. Subestimar as raízes é tornar-se oco e incapaz de perceber a beleza submersa nas sutilezas.”

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Ficha

Todas as minhas mortes, de Paula Klien. Porto Alegre: Citadel, 2024. 171 p. R$ 64,90.

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