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APÓS SEIS DÉCADAS

Elmar Kunz, o 1º dentista formado de Sinimbu, decidiu se aposentar

Foto: Alencar da Rosa

Para Kunz, gostar de pessoas é regra para qualquer profissão

Desde janeiro de 1959 é no número 527 da Rua Flores da Cunha, a principal de Sinimbu, que o cirurgião-dentista Elmar Kunz, hoje com 87 anos, trabalha todos os dias. Dentista formado pela PUC de Porto Alegre, ele vem de um tempo em que sentar na cadeira e abrir a boca era sinônimo de dor e sofrimento.

No antigo consultório, o aparelho de raios-X da marca Philips e a cadeira, que já é a terceira da carreira, denunciam que muito tempo se passou desde a primeira vez que um paciente foi atendido ali. E, em 31 de dezembro próximo, seu Elmar irá apagar de vez o refletor odontológico e encerrar a atividade, conduzida por ele há 61 anos.

A caixa de som instalada no alto da parede verde-claro, adornada por cortinas de algodão branco, alvas como o jaleco de Elmar, ajudam a tranquilizar o paciente. A música clássica é parte do tratamento oferecido pelo dentista, que tem a calma como primeiro mandamento.

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“Essa é a maior diferença dos antigos práticos. Eles não tinham essa calma para tratar com o paciente”, contou. Seu Elmar lembra que só tinha uma fita K7, que colocava para tocar sempre, repetindo a trilha sonora que acompanhava seus atendimentos.

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Hoje o som não é usado mais, ele só ligou para entrar no clima da época em que o consultório era um vai e vem de pacientes. “Antigamente não se marcava hora, depois tudo mudou. Agora não ouço mais música, também estou realizando poucos atendimentos”, afirmou.

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Seu Elmar ainda vai seguir com os atendimentos até o fim do ano. Para a aposentadoria, planeja conhecer a terra natal de seu pai | Foto: Alencar da Rosa


O dentista inovou desde o início. Com mais cuidado e métodos lapidados na faculdade de Odontologia, ele trouxe para Sinimbu um atendimento preciso e delicado. “Eu logo comprei um aparelho de raios-X, que permite um diagnóstico certo, para que se evite a extração de dentes.” O equipamento funciona até hoje e, segundo Kunz, está entre os mais cobiçados pelos dentistas, pela qualidade de funcionamento. Ao longo dos anos ele se especializou, admirou-se com as avançadas técnicas de ortodontia para corrigir imperfeições da arcada dentária e até fabricou um aparelho para o próprio caçula, Leonardo.

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Casado com Vera Maria, Elmar teve dois filhos, os seus orgulhos. O primogênito, Maurício, é psiquiatra, e Leonardo atua na área da Computação. “Eu sou muito feliz por isso, por ter criado esses dois filhos e dado uma formação boa para eles”, contou. Leonardo tem uma filha – o xodó do avô –, a Lívia Helena, de 3 anos.

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Ao longo da carreira, o dentista de Sinimbu sempre teve empatia com as crianças. “Eu colocava uma espuma nos instrumentos e fazia de conta que era um ratinho. Eles vinham com medo, mas perdiam depois de passarem pelo consultório”, recordou. Certa vez, uma mãe com três filhos – dois guris e uma menina – foi ao consultório. Os pequenos foram atendidos, e a menina permaneceu no colo da mãe. Por fim, já na calçada, indo embora, a menina começou a chorar. “Ela queria sentar-se na cadeira também, mas a consulta não era para ela. Então, examinei a menina e ela saiu daqui feliz da vida.”

A hora de apagar o refletor


Quando o fim do ano chegar, as seis décadas de odontologia de Elmar Kunz serão só lembrança em seu antigo consultório. Ele quer se aposentar, parar de trabalhar e aproveitar a saúde e a disposição dos octogenários de bem com a vida.

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A pandemia do novo coronavírus fez, segundo ele mesmo, com que apressasse a decisão. “Faz algum tempo que eu queria parar. Agora, com esse vírus aí, decidi encerrar meu trabalho”, sentenciou. Nos bons tempos, além de gentil com as crianças, Kunz sempre foi muito humano. Os agricultores que tinham dor de dente, mas ainda não haviam vendido a safra de tabaco, podiam pagar depois da venda, tinham crédito na casa.

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Com a saúde em dia e o amor de dona Vera ao lado, ele agora pretende viajar. Deseja conhecer a terra natal do pai, Adolf Kunz, que emigrou da Alemanha antes da Segunda Guerra Mundial. “A gente tem que esperar só um pouquinho, até as coisas melhorarem, para que a viagem seja possível”, confirmou o otimista Elmar.

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O pai dele também foi figura conhecida em Sinimbu, por causa de suas obras de arte. Adolf era escultor, esculpia em mármore, e é dele boa parte dos adereços das antigas lápides do Cemitério Católico de Sinimbu. “Depois de perder a visão em um dos olhos esculpindo, meu pai começou a pintar. Ele tem vários quadros, com paisagens da época, pintados em óleo.”

O ensinamento que vale uma vida

Com a calma de quem tranquilizava crianças com a broca ligada, seu Elmar despede-se do ofício com a sensação de dever cumprido. Com parte do equipamento mais antigo já doada para o museu de um colecionador, o primeiro dentista formado a atuar em Sinimbu diz aos mais novos que é preciso se atualizar sempre. “Quando mais jovem, eu não perdia um curso. Só não consegui me aperfeiçoar em implantes, a grande sensação agora.”

Apaixonado pelo ofício, Elmar disse também que a regra geral de qualquer profissão é gostar do público, paciente e cliente. “É preciso se dar bem com o público, com as pessoas que você atende. Esta sempre foi uma das minhas características”, complementou. A fita K7 acabou, o som suave cessou e, no fim do ano, o consultório irá fechar. “São ciclos, não é? Esse é o meu.”

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