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175 anos da imigração alemã em Santa Cruz: uma terra abençoada por Deus (e pelo Sol)

Foto: Alencar da Rosa

Ambiente foi escolhido pelos primeiros imigrantes alemães que decidiram se estabelecer na localidade de Rio Pardense em 1892

No dia 10 de novembro de 1991, a população do Distrito de Trombudo, interior de Santa Cruz do Sul na época, celebrou a aguardada emancipação do município. A conquista foi obtida depois de uma mobilização da comunidade, de lideranças e veículos de comunicação, entre eles a Gazeta do Sul.

A união do povo em prol da autonomia é um dos legados dos imigrantes alemães, que colonizaram o local em 1862. Essa, no entanto, não é a única herança deixada por eles. O município destaca-se pelo predomínio da agricultura, que começou com os primeiros moradores. São cerca de 1,8 mil propriedades rurais, que totalizam 12 mil hectares de cultivo, sobretudo tabaco, milho, arroz e soja.

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Atualmente, estima-se que 89% dos 11.080 vale-solenses moram na área rural. Muitos descendem daqueles que contribuíram no desenvolvimento local. Passados 162 anos, os habitantes mantêm a essência dos primórdios, no cotidiano, nas construções e, principalmente, no espírito comunitário. Em cada esquina, estão fragmentos do trabalho dos imigrantes alemães.

Localidade de Rio Pardense foi marco da colonização alemã e requereu união

Em 1862, os primeiros imigrantes instalaram-se em Rio Pardense, localidade situada a seis quilômetros do centro de Vale do Sol, no começo do Arroio Cristina. Conforme a pesquisadora Norli Kaden, em texto incluído no livro Nossa terra, nossa história, tratava-se de alemães insatisfeitos com seu país de origem, especialmente em virtude da superpopulação. Com a promessa de uma vida melhor, atravessaram o oceano em navios para chegar ao novo lar, o Brasil.

Do porto de Rio Grande, seguiram pelo Rio Jacuí até Rio Pardo. Para chegar na nova morada, viajaram em carretas puxadas por cavalos, em uma jornada difícil, que levava uma semana. O local escolhido atendeu às necessidades dos colonos, de acordo com o escritor Ireno Finkler. Eles procuravam terras secas, mas ricas em recursos hídricos, que eram provenientes dos morros no entorno.

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Os primeiros anos, no entanto, foram marcados por desafios. Se atualmente, apesar do desenvolvimento do município, o verde ainda predomina, a área era totalmente fechada pelo mato. Para estabelecer as moradias e as lavouras, precisaram abrir espaços.

Para superar cada obstáculo e as limitações que impediam o desenvolvimento da colônia, os imigrantes precisaram se apoiar no espírito comunitário. Embora faltassem recursos, sobravam apoio e união para resolver um problema por vez.

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Juntos, derrubavam as matas e construíam a estrutura necessária para garantir sua permanência. As primeiras habitações eram erguidas com barro e madeira. O teto era constituído de tabuinhas (Schindeln), enquanto o chão era sem assoalho, ou seja, de terra batida.

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Outro aspecto que reforça a unidade entre os moradores eram as trocas. Segundo Fin-kler, tornou-se hábito o compartilhamento de alimentos, como ovos, manteiga ou banha. Isso facilitava muito o acesso, especialmente diante da dificuldade de locomoção para obter os recursos.

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Preocupados com a educação das crianças, escolhiam os mais instruídos para garantir a alfabetização. As dificuldades de transporte (havia dificuldade para atravessar o arroio diante da falta de pontes) foram sendo superadas gradualmente.

A partir de 1880, 18 anos depois, iniciou-se a segunda fase da colonização, tendo como base a localidade de Formosa, e também por imigrantes alemães. E os pioneiros, assim como os habitantes de Rio Pardense, precisaram unir-se e lidar com as dificuldades.

Com o passar dos anos, os colonos foram progredindo. Da cultura de subsistência, passaram a ter excedentes, vendidos em Santa Cruz do Sul e no porto de Rio Pardo. Mais tarde, em 1924, o local se tornaria a sede do 7º Distrito de Santa Cruz, chamado Trombudo.

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Templos religiosos são herança dos primeiros colonos

A religiosidade foi um elemento fundamental desde os primórdios da colonização em Vale do Sol. Em suas publicações, o professor e escritor Ireno Finkler ressaltou que a fé cristã foi marcante no cotidiano dos colonos. “As comunidades e as igrejas foram se organizando a partir da fé em Deus”, escreveu no livro Nossa terra, nossa história.

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Esse aspecto também foi crucial para o desenvolvimento educacional do município. Conforme Finkler, era comum os templos também possuírem um espaço para ensino. Uma das escolas comunitárias ficava ao lado da Igreja Centenária, mas foi destruída décadas depois. Três denominações religiosas sobressaíram entre os alemães, que formaram comunidades luteranas, batistas e católicas.

Evangélicos celebravam os cultos em suas residências

Parte dos primeiros imigrantes alemães que chegaram em Linha Formosa em 1880 também eram evangélicos luteranos. Eles se reuniam em grupos de família para orar. Eventualmente, um pastor de Ferraz ou Santa Cruz ia até a pequena comunidade para as celebrações religiosas. Um dos moradores, que possuía uma grande casa, costumava disponibilizar uma das salas para os cultos.

Contudo, a vontade de estabelecer uma comunidade era grande. Finalmente, em maio de 1908 ocorreu a fundação, com a participação de 35 membros fundadores. Dois anos depois, seria inaugurada a igreja evangélica. A torre foir erguida de forma gradual, dependendo dos recursos financeiros. Sua inauguração ocorreu em 1924.

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Juntamente com a torre, os evangélicos construíram uma escola comunitária, instalada ao lado do templo. Reforçou-se, mais uma vez, o cuidado com a educação.

Formação da comunidade luterana foi marco na construção de templos

Católicos salvaram Igreja Centenária do abandono

Entre os diversos templos religiosos em Vale do Sol, chama a atenção a Igreja Centenária. Construída em 1892 pelos primeiros imigrantes, concebida como uma capela, tornou-se um importante símbolo dos católicos e foi elevada anos depois a matriz da região.

Numa prova de que a educação estava atrelada à religião, havia ao lado do templo a escola comunitária, mais tarde chamada de Escola Particular Oswaldo Cruz. “Lamentavelmente, ela foi demolida em 1987”, afirma Finkler. A partir desse ano, o monumento histórico encontrou-se em uma situação de abandono. Eis que, em 1999, a assembleia geral da comunidade católica decidiu restaurá-la.

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Um grupo, incluindo Ireno Finkler, foi designado para elaborar a recuperação do velho prédio. Além de avaliar a situação, a comissão limpou o interior do prédio, começando pelo alto da torre. Orçamento foi levantado para a restauração, envolvendo janelas e vidros quebrados. Para erguer os fundos, elaboraram ação entre amigos, com rifa que incluía cinco prêmios, ofertados por estabelecimentos comerciais. Todas as escolas do município entregaram a cada estudante uma folha para solicitar doações para as obras. Ao todo, foram arrecadados R$ 1.700,50.

Hoje, o prédio transformou-se em um símbolo do espírito comunitário de Vale do Sol. Mais obras foram feitas nos últimos anos, graças à mobilização dos fiéis em preservar sua história e impedir que o legado dos pioneiros fosse esquecido.

Comunidade dedicou-se a preservar estrutura erguida pelos pioneiros

Primeira igreja batista do Estado nasceu em Formosa

Vale do Sol destaca-se por ter construído a primeira igreja batista no Rio Grande do Sul. O templo foi erguido em 1893, na localidade de Formosa. A presença dessa denominação iniciou-se com a chegada do casal pomerano Carlos e Frederica Feuerhamel, em 1881.

Ao se fixarem em Formosa, passaram a organizar a comunidade religiosa, que seria pioneira em solo gaúcho. Começaram evangelizando os vizinhos. Três anos depois, conforme Ireno Finkler, aconteciam as primeiras conversões. Em 1886, promoveram o batismo de 50 novos crentes.

Um marco importante foi a chegada do imigrante Augusto Matschulat. Ficou para ele a responsabilidade de construir a igreja. Na data, os primeiros batistas letos instalaram-se em Ijuí, na região Noroeste do Estado.

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O trabalho pioneiro em Linha Formosa foi essencial no surgimento de novas congregações. “Eles saíam a cavalo daqui para ir a Ijuí e Panambi expandir a religião”, destacou o escritor. Passados mais de 140 anos, a igreja permanece intacta, sendo preservada pelos batistas. “A semente por ela plantada se desenvolveu para 36 templos e quase 6 mil batistas no Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, São Paulo, Mato Grosso e Espírito Santo”, escreveu Finkler em Nossa terra, nossa história.

Um pequeno templo transformou-se em um ponto turístico do município

Guardião da memória de Vale do Sol

A preservação da história de Vale do Sol e do legado dos colonizadores se tornou uma missão para Ireno Finkler. Natural do município, quando ainda se chamava Trombudo, o quinto de dez filhos de agricultores saiu com 12 anos para se dedicar aos estudos. Tornou-se professor, lecionando História, Geografia e outras disciplinas.

Finkler empenha-se em preservar a história

Anos depois, ao retornar para o distrito, empenhou-se como político pela emancipação do distrito. Para isso, trabalhou no jornal EmanSIMpação, contribuindo para a mobilização da comunidade. O interesse pela escrita também o levou a atuar como colunista na Gazeta do Sul. No entanto, seu trabalho destaca-se nos livros que hoje ajudam a contar a história do município.

Neles detalhou a chegada dos imigrantes, a formação política e a jornada pela independência de Santa Cruz do Sul. Colaborou ainda com publicações voltadas ao público infantil. “As futuras gerações precisam saber que Vale do Sol foi fruto de desbravadores. Não podemos fazer com que esqueçam nossa história”, destacou.

Uma nova publicação está prevista para 2025, pela Editora Gazeta. Trata-se de Vale do Sol: Enfoques, um compilado de colunas e pequenas notícias, com informações sobre o município. Serão cem textos. O lançamento está previsto para 20 de março, data em que o município foi criado.

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