O que vale hoje é o comércio exterior. Vender, de preferência grandes volumes, soja, frango, aço, fumo para os grandes e sedentos países compradores é o sonho de qualquer governante. Entram divisas as quais até possibilitam gerar progresso, apesar de que isso, muitas vezes, não passe de fantasia e permaneça invisível para sempre.
Como não sou expert no assunto, vou me ocupar de um tema menor, o comércio interior, ou melhor, o inesquecível comércio do interior. Bolichos, bodegas, armazéns, vendas, o nome variava, porém a função era a mesma: alcançar à população interiorana os gêneros alimentícios, os tecidos, os pregos, os martelos, as agulhas, a erva, os chapéus de palha, as enxadas, o sagu, os anzóis, tudo enfim que era necessário para tocar a pacata vida de quem não tinha o hábito nem a condição de se abastecer em algum centro mais desenvolvido.
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As vendas – fico com este termo porque era o que havia na minha aldeia – compravam e vendiam. O colono levava galinhas (de vez em quando passava alguém carregando uma penca delas nas costas), ovos, anunciava e vendia chiqueiradas de porcos, o comerciante comprava e inúmeras vezes trocava por produtos necessários ao vendedor. Outras vezes intermediava a remessa desses produtos a outros centros de consumo. Não havia, por exemplo, frigoríficos no interior, então os suínos eram destinados a abatedouros externos à localidade.
Essas vendas tinham expressivo papel na regulação da vida dos colonos. E havia uma relação de confiança mútua de parte a parte. Telefone só existia ali. O próprio comerciante girava a manivela e, feito o contato, passava o fone ao demandante que, em geral aos gritos, se comunicava com a pessoa na outra ponta da linha. Telefonar, aliás, era fato incomum, quase um ato de coragem diante daquele mistério de se comunicar através de um fio. Tinha que ser muito relevante o motivo para telefonar para alguém. As vendas eram, igualmente, entrepostos de correio, acolhiam cartas que o motorista do ônibus entregaria na agência e recebiam as correspondências destinadas aos moradores do interior. E tudo ficava disponível numa caixa em cima do balcão.
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O fato de praticamente ninguém ter carro manteve sólidos esses pequenos comércios do interior. Fazer compras na cidade era acontecimento raro ou inexistente. Então, chegou o momento da virada. Começou a circular pelo interior alguma kombi, seu condutor anotava pedidos, propunha preços mais acessíveis, entregava os produtos na casa dos compradores. Esses pequenos gestos eram quase clandestinos, uma pequena traição do colono ao bodegueiro que sempre suprira suas necessidades.
Aos poucos, o progresso chegava ao interior. Luz elétrica, geladeiras, televisores e, para quem tinha poder aquisitivo maior, carro. Os moradores não dependiam mais somente do ônibus ocasional, ou do intermediário da kombi, eles mesmos se moviam em busca de outras paragens, encontrando outros meios de tocar a vida. Nas cidades, surgiam ou cresciam os supermercados, atraindo consumidores que antes se abasteciam nos estabelecimentos do interior.
Os pequenos comércios em geral pertenciam a uma família ou mesmo a um grupo familiar. Crescendo o clã, as despesas se multiplicavam e, perdendo a clientela, as pequenas casas comerciais começaram a minguar, até não mais resistir. Tiveram um grande papel, porém a roda da história os colocou apenas na lembrança.
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