Com ouvido colado junto à porta do ginásio do Corinthians Sport Club na manhã de 10 de junho de 1965, o adolescente Ademar Antunes da Costa escutava com atenção o que ocorria na quadra de basquete. E não era um jogo do principal clube da cidade. Ali dentro, mais de 2 mil pessoas, entre políticos, estudantes de Direito e advogados de todo o Estado, assistiam ao julgamento daquele que é considerado o maior caso policial da história de Santa Cruz do Sul.
Sentado no banco dos réus estava o vereador Floriano Peixoto Karan Menezes, o Marechal, autor do assassinato do deputado estadual Euclydes Nicolau Kliemann, morto com um tiro no peito em 31 de agosto de 1963, durante debate ao vivo em uma rádio de Santa Cruz sobre uma verba para a Estrada do Arroio Grande (hoje Avenida Deputado Euclydes Nicolau Kliemann).
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“Por ser menor de idade, não me deixaram entrar, mas na porta eu ouvia tudo. Pedro Simon era o advogado do Marechal, muito jovem, com uma fala vibrante. Eu ouvia e dizia para mim mesmo: é isso que eu quero fazer.” Atualmente com 77 anos, após participar de mais júris do que consegue lembrar, Ademar Antunes da Costa realiza nesta quinta-feira, 14, no plenário do Fórum de Santa Cruz, sua última atuação em um julgamento.
Em entrevista à Gazeta, ele justificou a decisão. “Do acontecimento do fato até o júri leva muito tempo, às vezes dez anos. E quando eu assumo o compromisso de defender, dou minha palavra. Não é do meu perfil assumir algo e não ir até o fim. Já estou com 77 anos e não quero mais pegar algum caso que eu não possa garantir que eu vá até o fim”, disse ele, que faz uma analogia com a arte.
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“Se o pintor é contratado para fazer uma tela, e morre antes de terminá-la, fica uma expectativa sobre o trabalho não finalizado. E eu não quero começar algo que depois eu não possa terminar”, salientou. O caso a ser analisado a partir das 13h15 de hoje no Fórum aconteceu há mais de uma década, em 10 de abril de 2014, por volta das 21h30, na localidade de Linha Palmeira, interior de Gramado Xavier.
Elder Marison Berté, 41 anos, foi assassinado a tiros de espingarda nas proximidades de uma residência. Ele chegou a ser encaminhada para o Hospital de Boqueirão do Leão, mas não resistiu à gravidade dos ferimentos e acabou falecendo. Conforme a denúncia do Ministério Público (MP), o crime teria sido cometido por um homem a mando da ex-companheira de Elder, Delce Nepomuceno Berté, atualmente com 47 anos.
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Ela responde ao processo em liberdade. Ainda de acordo com o Ministério Público, o crime foi cometido porque Delce queria se apropriar das terras pertencentes a Elder. Além disso, teria a intenção de receber o benefício previdenciário dele. A denúncia foi recebida no dia 1º de março de 2017. Desde então o caso se arrastava a passos lentos na Justiça, com a interposição de recursos.
O júri de hoje será presidido pela juíza Márcia Inês Doebber Wrasse. O promotor Gustavo Burgos de Oliveira irá representar o MP, e terá como assistente de acusação o advogado Ademar Antunes da Costa. A defesa da ré será feita pelos advogados José Roni Quilião de Assumpção e Gilberto Bernardes Klein. Sete jurados vão ser sorteados para formar o conselho de sentença, que irá definir se Delce é culpada ou inocente no caso.
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A tese de legítima defesa da honra
Acostumado a fazer a defesa de acusados de crimes graves, Ademar irá atuar no júri desta quinta como assistente de acusação, representando a família da vítima. Ele relembrou que seu primeiro julgamento, em 1982, teve uma particularidade que se assemelha com o último. “Tenho sorte. No primeiro fui apadrinhado pelo promotor de Lajeado aposentado na época, o Bellaguarda. Agora, no último, vou estar ao lado também de um promotor, o Gustavo.”
No primeiro júri, que ocorreu no Clube União, Ademar e Bellaguarda conseguiram absolver o cliente deles – que respondia por homicídio – por sete votos a zero, em uma época na qual se abriam todos os votos dos jurados. Atualmente, no Tribunal do Júri, basta que quatro votos sejam abertos no mesmo sentido para que não seja necessário fazer o mesmo com os restantes, preservando o sigilo da votação. “O juri é o tribunal mais democrático que existe, pois são as pessoas do povo que julgam”, salientou.
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Na entrevista à Gazeta, Ademar relembrou alguns dos casos que considera como os principais da carreira. No início dos anos 1990, com a tese da legítima defesa da honra – declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em agosto de 2023 –, absolveu um cliente que tinha matado a esposa. Esse fato provocou uma crítica do procurador de Justiça aposentado Lenio Streck, em um dos primeiros livros do jurista.
“Ele ficou indignado com aquilo e escreveu sobre isso. Mas essa era uma tese possível na época e eu a usei”, disse Costa, que foi professor de Direito durante 15 anos na Universidade de Santa Cruz do Sul (Unisc). Por seis anos foi coordenador do curso no campus de Sobradinho, cidade onde, em 2018, recebeu o título de cidadão honorário.
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A atuação nos casos Ivo Kothe Júnior e Tampa
Formado em Direito nas Faculdades Integradas de Santa Cruz do Sul (Fisc) em 1981, Ademar Costa atuou logo no ano seguinte na defesa de quatro de cinco investigados no caso do fumo papel. Dois transportadores, dois operadores de máquina e um funcionário do escritório de uma importante fumageira da cidade realizaram um esquema de fraude tributária a partir de notas fiscais que eram remetidas sem que o tabaco efetivamente fosse adquirido pela empresa.
“Esse foi um caso que deu muita repercussão na época”, relembra o criminalista. Ele atuou também na defesa de um dos filhos do ex-prefeito Telmo Kirst, João, absolvido de envolvimento na morte de Ivo Kothe Júnior, de 19 anos, ocorrida em 28 de outubro de 1995 após uma briga entre jovens na Rua Marechal Floriano, próximo ao antigo bar Van Gogh.
“Nessa caso eu pedi exumação do corpo, pois existia um boato na cidade de que a vítima tinha vários hematomas. Acontece que ele deu uma voadora e na queda bateu a cabeça no meio-fio, que foi o que matou o rapaz”, explicou sobre sua tese. Ele ainda defendeu Carlos Ivan Fischer no caso de sequestro do estudante Alexandre de Paula Dias, o Zambinha, em 1994.
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E relembrou um fato em que, segundo ele, a polícia “o ajudou” ao defender dois ladrões que haviam assaltado o banco Itaú nos anos 1990. “Eu não tinha prova de que não eram eles os autores. E os policiais foram em um lixo e apreenderam o que seria a principal prova do crime, alguns papéis que eram usados para enrolar o dinheiro roubado”, contou. “Só que o papel apresentava uma data, que era do dia seguinte ao assalto, ou seja, não tinha nada a ver com o crime. Quem me deu a prova da absolvição deles foi a polícia”, sorriu o advogado.
Costa trabalhou ainda na absolvição de Jean Corvelo, em um homicídio ocorrido no Bairro Bom Jesus no início da década passada, em que o rapaz matou outro homem com quatro tiros de pistola; e também na defesa de Enildo Rosa Cortes, o Tampa, em caso com muitas reviravoltas no âmbito jurídico. O réu respondeu pela morte do vizinho Corson Álvaro Winck, de 70 anos, ocorrida na noite de 12 de agosto de 2014, em São José da Reserva, interior de Santa Cruz.
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O cliente de Costa chegou a ser condenado em um primeiro júri. Contudo, o advogado conseguiu provar uma nulidade em razão da ausência de um quesito de redução de pena, o que gerou novo julgamento, em que Tampa foi absolvido com a tese de legítima defesa. Embora encerrando sua participação em sessões do Tribunal do Júri, Ademar Antunes da Costa garante que irá manter os atendimentos em seu escritório. “Não vou parar de advogar; apenas os julgamentos, que decidi não fazer mais.”
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