As irregularidades no setor de saúde que levaram à prisão e à renúncia do ex-prefeito de Rio Pardo Rafael Reis Barros começaram antes mesmo de sua posse no cargo, ainda em 2016. Segundo o relatório parcial da Operação Camilo, da Polícia Federal, logo após vencer a eleição, Barros iniciou contatos com empresários que, mais tarde, assinariam contratos suspeitos com a Prefeitura e o Hospital Regional do Vale do Rio Pardo.
A Gazeta do Sul e a Rádio Gazeta tiveram acesso ao documento, que indiciou Barros e o ex-procurador jurídico da Prefeitura Milton Coelho por corrupção ativa e passiva, organização criminosa, lavagem de dinheiro, fraude a licitação e estelionato. O relatório trata do que os investigadores classificaram como primeiro ciclo de fraudes ocorridas na Cidade Histórica e que compreende supostos crimes cometidos entre janeiro de 2017, quando Barros tomou posse, e outubro de 2018.
O relatório revela uma face ainda desconhecida do caso: irregularidades que ocorreram antes da contratação da Associação Brasileira de Assistência Social, Saúde e Inclusão (Abrassi), entidade que é a pivô do escândalo, para administração da casa de saúde.
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Segundo a investigação, empresas contratadas diretamente pela Prefeitura nos primeiros meses do mandato foram favorecidas em licitações e desviaram recursos públicos por meio de superfaturamentos, com a conivência e o suporte de Barros e Coelho. Para conseguir os contratos com o Município, os empresários Carlos Alberto Serba Varreira e Renato Carlos Walter teriam até bancado viagens dos políticos para destinos turísticos. Esses mesmo empresários eram, de acordo com a apuração da PF, os gestores de fato (não no papel) da Abrassi, cuja contratação também tem indícios de direcionamento.
Após os indiciamentos pela PF, cabe ao Ministério Público Federal decidir se denuncia ou não os investigados à Justiça. A segunda parte da operação, que envolve contratos assinados pela Abrassi com empresas quarteirizadas para prestação de serviços junto ao hospital, ainda está em andamento.
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Barros e Coelho foram presos no dia 27 de maio e liberados no dia 2 de julho, por meio de uma habeas corpus. Outras 13 pessoas chegaram a ser presas, incluindo Varreira e Walter.
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O que dizem
Procurado, o advogado de Rafael Barros e Milton Coelho, Ezequiel Vetoretti, disse que a defesa percebeu “muitas informações desencontradas no relatório parcial apresentado pela Polícia Federal”. “Aguardaremos a finalização do inquérito e a manifestação do Ministério Público Federal sobre os fatos, para somente depois nos manifestarmos oficialmente”, informou.
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Já o advogado de Carlos Varreira e Renato Walter, Rafael Ariza, disse que a defesa entende que os fatos devem ser esclarecidos “no momento e local oportunos, que são o inquérito policial e medidas cautelares em tramitação”. “Dessa forma, apesar do máximo respeito e consideração à atuação da imprensa (que, aliás, foi a única fonte de informação da defesa por vários dias), reserva-se o direito de manifestar-se nos autos em tramitação, e após o encerramento de todas as diligências”, diz a nota enviada à reportagem.
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Sete pontos do relatório
1 – “Me consegue contratos aí”
Segundo a investigação, os contatos de Rafael Barros com Carlos Varreira e Renato Walter começaram logo após a eleição de 2016. Evidências levantadas durante a Operação Faxina, da 6ª Promotoria de Justiça Especializada Criminal de Porto Alegre, que apura contratos suspeitos com o setor público estadual e diversas prefeituras gaúchas e tem Varreira como um dos investigados, apontaram que o empresário buscou aproximar-se do então prefeito eleito com vistas a obter benefícios em contratos municipais. A aproximação se deu por meio de um “amigo comum”: o advogado Milton Coelho, que se tornaria procurador-geral da Prefeitura. Em um diálogo obtido pela investigação entre Coelho e Varreira logo após as eleições, o empresário pede que o futuro procurador não se esqueça dele. “Me consegue contratos aí, vamos negociar. Tu sabe que podemos ganhar muito dinheiro juntos”, escreveu Varreira.
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2 – Empresários bancaram viagens
Segundo o relatório, a parceria entre os futuros gestores públicos e os empresários, que garantiria a eles os contratos com o Município, foi “simbolicamente selada” em viagens de lazer feitas ao Rio de Janeiro e a Torres, no Litoral Norte gaúcho, em novembro de 2016. Conforme a investigação, Carlos não só acompanhou Barros e Coelho nas viagens como bancou a maior parte dos custos.
3) Empresa foi criada após a eleição
O resultado da aproximação, segundo o relatório, veio já nos primeiros dias de 2017, quando as empresas das quais Varreira e Walter seriam os sócios ocultos foram contratadas pela Prefeitura. A Cheers Med Eireli-EPP assinou um contrato emergencial no dia 10 de janeiro, nove dias após a posse de Barros. A dispensa de licitação foi determinada a partir de um parecer jurídico assinado por Milton Coelho. Segundo dados da Receita Federal, a empresa foi aberta em 25 de outubro de 2016 – ou seja, após as eleições. A Prefeitura de Rio Pardo foi o seu primeiro cliente. De acordo com o relatório, a Cheers Med, que é sediada formalmente em Porto Alegre, tem como titular Barbara Conceição Colares Lopes, sogra de Varreira, residente em Butiá e que era beneficiária do Bolsa Família entre janeiro de 2013 e junho de 2013. Em depoimento à PF, Barbara admitiu que emprestou nome para o genro, o qual alegava que estava com o nome sujo e precisava abrir uma empresa.
4) Procurador interferiu em licitação
A investigação também apontou que houve interferência indevida de Milton Coelho para garantir que a SLP Serviços de Limpeza e Portaria Ltda., empresa da qual Renato Walter seria o real proprietário, saísse vencedora de uma concorrência pública aberta pela Prefeitura. À época, a Comissão de Licitações opinou pela anulação do certame por ausência de projeto básico e planilhas de custos unitários para julgar as propostas. A SLP havia sido a única empresa habilitada e Coelho acolheu parcialmente um recurso interposto por ela. Isso levou à designação de uma nova comissão, formada em maioria por CCs da Prefeitura, que levou adiante o procedimento, desconsiderando a irregularidade apontada anteriormente e declarando vencedora a SLP.
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5) Concorrência foi direcionada
O contrato da Prefeitura com a Abrassi para gestão do Hospital Regional foi assinado em 13 de novembro de 2017. Conforme o relatório da PF, porém, o chamamento público realizado pela Prefeitura, que contou com a participação de sete entidades, foi direcionado para beneficiar a associação. Os indícios desse direcionamento foram apontados em uma apuração da Controladoria Geral da União (CGU). Membros da comissão responsável pela licitação admitiram, por exemplo, que foram chamados para conduzir o processo sem aviso prévio e sem passar por treinamento. Eles também confirmaram desconhecer como foram elaborados os quesitos para critério de julgamento das propostas das concorrentes. Além disso, as avaliações feitas pelos integrantes foram consideradas suspeitas: três dos quatro membros atribuíram a mesma pontuação em todos os itens – possibilidade que, estatisticamente, é ínfima. Somente nos primeiros 60 dias após a assinatura, o contrato com a Abrassi sofreu dois aditivos, o que elevou o valor pago pela Prefeitura à entidade em nada menos que R$ 360 mil. No total, o contrato foi aditivado 14 vezes, sempre com acréscimos de valores. Isso, de acordo com a PF, indica a fragilidade do edital lançado pelo governo.
6) Empresário jogou R$ 68 mil em lixeira
A investigação também apontou movimentações financeiras significativas de Varreira após a assinatura dos contratos em Rio Pardo, que adquiriu “patrimônio significativo”, incluindo veículos e imóveis, o que reforça os indícios de desvios. Quando a Operação Camilo foi deflagrada, um mandado de busca e apreensão foi cumprido na residência de Varreira, na capital. Ao saber da presença de policiais, ele teria tentado fugir, mas acabou retornando ao condomínio. Depois os investigadores souberam, por meio da empresa responsável pela vigilância do prédio, que na tentativa de fuga ele descartou uma bolsa preta na lixeira do estacionamento. Na bolsa, foram encontrados R$ 68 mil.
7) Contratos foram superfaturados
A PF concluiu que os desvios de recursos foram possíveis porque os contratos de quarteirização com as empresas Cheers Med e SLP para prestação de serviços junto ao Hospital Regional foram superfaturados. Ao analisar os contratos, a Controladoria-Geral da União concluiu que os serviços “foram contratados por valores substancialmente ‘excessivos’ em relação aos previstos na proposta da Abrassi”. Com base no custo efetivo do serviço e o montante repassado pela associação às empresas, a CGU apontou que o superfaturamento chegou a mais de R$ 7 milhões entre novembro de 2017 e outubro de 2018.
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