Está em discussão no Superior Tribunal de Justiça um Tema Repetitivo (que vai se aplicar para inúmeros outros casos) em que o INSS alega que quando há um documento novo no processo judicial, o pagamento do benefício previdenciário deve ocorrer apenas a partir da citação (judicial) do INSS e não do pedido na via administrativa.
Isso é um erro total e vou explicar os motivos. Primeiro, os segurados do INSS, ao solicitar benefícios por meio do aplicativo (Meu INSS), frequentemente enfrentam a negativa automática, sem qualquer análise minuciosa dos documentos apresentados. Esse fenômeno se dá pela opção do INSS em utilizar sistemas automatizados (os chamados “robôs”) para processar os pedidos, uma escolha motivada pela escassez de servidores. O robô, que processa os requerimentos em segundos, não faz uma análise detalhada, resultando na rejeição de benefícios que poderiam ser concedidos com uma análise mais criteriosa.
LEIA TAMBÉM: Aposentadoria aos 35/30 anos de contribuição: direito adquirido?
Publicidade
De acordo com um estudo realizado pela Controladoria Geral da União (CGU, aproximadamente 65% dos benefícios são indeferidos sem a devida análise de documentos. Ou seja, dois terços dos pedidos são negados de forma precipitada, o que evidencia um grande problema no sistema de automação implementado pelo INSS.
O segurado não tem sequer a oportunidade de apresentar documentos complementares ou de ser orientado pelo INSS sobre quais documentos são necessários para esclarecer o caso. O processo começa e termina em poucos segundos, sem uma verdadeira chance de revisão ou correção.
LEIA TAMBÉM: A justiça em números e o INSS
Publicidade
Mesmo quando a análise é realizada por um servidor, estudos do Tribunal de Contas da União (TCU) apontam que cerca de 26% dos casos contêm inconsistências, ou seja, erros de análise. Isso demonstra que, embora o processo automatizado tenha falhas graves, o processo manual também apresenta problemas significativos.
Muitas vezes, o simples fato de o segurado apresentar “o documento certo” não resolveria a questão. Mas, afinal, o que seria o documento certo? Um exemplo é o processo já contar com certidões de casamento que indicam a profissão de lavrador do segurado, e ainda assim, o INSS recusa o pedido. Isso levanta a dúvida: será que a negativa realmente ocorre pela falta de um documento específico? A prática mostra que há algo mais profundo a ser considerado além da simples ausência de documentos.
LEIA TAMBÉM: Guardar o dinheiro ou pagar previdência?
Publicidade
A Instrução Normativa do INSS oferece uma visão aparentemente idealizada sobre o processo de concessão de benefícios, mas, na prática, milhares de benefícios são negados, mesmo quando os documentos considerados essenciais estão presentes no processo. Outro exemplo significativo é a Justificação Administrativa, prevista em lei, mas que o INSS raramente realiza, a não ser que seja obrigado por uma decisão da Junta de Recursos ou por mandado de segurança.
A negativa de benefícios não parece se basear apenas na falta de algum documento. Se o problema fosse tão simples, o INSS, ao ser confrontado com o documento correto durante o processo judicial, reconheceria imediatamente o direito do segurado. No entanto, o que se observa é uma longa trajetória de contestações, apelações e recursos até as instâncias superiores. Isso evidencia que o problema vai além da ausência de um documento específico. Assim, o INSS, em vez de cumprir sua missão de conceder o benefício àqueles que têm direito, esconde-se atrás de sistemas automatizados e falhas processuais.
LEIA TAMBÉM: A justiça em números e o INSS
Publicidade
Por isso, a proposta de fixação dos efeitos financeiros apenas na citação judicial beneficiaria o INSS, que se desoneraria da obrigação de informar e orientar adequadamente os segurados ao optar por processos automatizados, que frequentemente falham em analisar os pedidos de maneira correta. O segurado, muitas vezes desamparado e sem assistência jurídica, só busca um advogado após anos de espera.
Não se trata, portanto, apenas da ausência de um documento específico, mas sim da falha estrutural de um sistema que não cumpre sua função de garantir os direitos previdenciários. O segurado não pode ser penalizado por falhas do sistema, nem pela demora na concessão dos benefícios. A missão do INSS deve ser, antes de tudo, garantir a concessão justa e eficiente dos direitos previdenciários, e não criar barreiras burocráticas que empurram o cidadão para a judicialização.
LEIA MAIS TEXTOS DE JANE BERWANGER
Publicidade
Chegou a newsletter do Gaz! 🤩 Tudo que você precisa saber direto no seu e-mail. Conteúdo exclusivo e confiável sobre Santa Cruz e região. É gratuito. Inscreva-se agora no link » cutt.ly/newsletter-do-Gaz 💙