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Viagem no tempo à Santa Cruz de 1889

Panorama da atual Rua Borges de Medeiros, ao lado da Praça da Bandeira, com o movimento cotidiano na ainda pacata cidade, e com a antiga igreja evangélica ao centro

Em 1889, o ano da proclamação da República, um alemão visitou Santa Cruz, cuja emancipação ocorrera pouco mais de uma década antes. O viajante impressionou-se muito positivamente com o que vira.

Trata-se de Hermann Soyaux, botânico e viajante que nasceu em Breslávia, hoje Polônia, em 1852, e que já fora ao continente africano. De volta à Alemanha, em 1888 transferiu-se ao Brasil pela Colonizadora de Terras Herman. Fixou-se na colônia de Bom Retiro, a qual chefiou (fora fundada em 1887). De lá depois se mudou para Porto Alegre. Morreu em 1928, no Brasil.

Durante sua estada em solo gaúcho, veio a Santa Cruz. E sobre ela escreveu. Quem localizou a referência, na Alemanha, foi Klaus Cussler, amigo da professora Lissi Bender, e que remeteu a ela esse material. Que traz inclusive duas fotografias da paisagem urbana da época, num olhar raro sobre o passado, que reproduzimos nestas duas páginas especiais. A professora Lissi traduziu para a Gazeta do Sul o texto de Soyaux, pelo que muito agradecemos.

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As fundações (de mais colônias) ainda não se esgotaram com as ações dos governos e as iniciativas privadas. Em muitas outras colônias daquela Provincia (RS) vivem agora em torno de 100 mil pessoas de origem alemã. Mencionamos somente os povoamentos mais extraordinários, nos quais agora habitam milhares de alemães prósperos que haviam deixado sua pátria como pessoas pobres, com auxílio de parentes para a viagem e, na maioria dos casos, tiveram de pagar durante anos pela porção de terra adquirida. Quem hoje for procurar estas famílias nos vales de rios, entre riqueza florestal da serra geral, não mais reconhecerá nelas aquelas pessoas que há anos embarcaram com pouca bagagem nos navios emigratórios em Hamburgo, Bremen ou Antuérpia.

Ele (visitante) encontrará hoje homens autoconfiantes, mulheres animadas e diligentes e ricamente abençoados com filhos. A dona de casa o conduzirá pela linda propriedade, na maioria das vezes simples, mas em fina solidez, em abastança e limpeza. O marido lhe mostrará com orgulho suas plantações de batata, feijão, milho, arroz, tabaco; seu majestoso rebanho, seus porcos bem nutridos e contar sobre as terras que previdentemente comprou para seus filhos. Em meu julgamento se espelham as condições materiais de saúde natural nessas colônias agrícolas alemãs, principalmente por nelas haver a bênção da existência de muitos filhos e prosperidade, ambas consideradas com a mesma importância.

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Vamos volver nosso olhar com mais acuidade para uma colônia alemã. Nos vales do rio Pardo se estende em numerosas picadas a Colônia Santa Cruz, que já foi elevada à categoria de município, com seu centro principal identificado com o mesmo nome. Das montanhas cobertas por florestas os caminhos, emoldurados em ambos os lados por propriedades agrícolas, conduzem à cidade. Inicialmente como linhas de demarcação, para o conjunto das parcelas coloniais, elas foram abertas para dentro das florestas; em alguns casos estas picadas foram aos poucos construídas em sua totalidade de extensão, mas algumas estradas ainda problemáticas foram ampliadas, e os nomes que as acompanham identificam orientação e também as etapas de colonização, as quais, por meio dos nomes, estão ligadas ao povoado principal.

Estimado leitor, contempla atentamente as imagens inseridas aqui; elas foram captadas em fotografias que jamais enganam e mostram as condições dos alemães que lá vivem. Estas imagens são mais fiéis e melhores do que a pena do viajante que tenta relatar isso. E quando o leitor fica sabendo que estas casas e igrejas foram construídas desde 1849 por colonos alemães, os quais iniciaram sua vida sem bens materiais – na colônia foram introduzidos não mais do que 10.000 marcos em dinheiro vivo – aí o leitor poderá entender e ele mesmo responder à questão que explica o florescimento dos colonos alemães no sul do Brasil.

Naturalmente que esse florescimento não tem a ver com o valor pecuniário trazido – diz-se até o contrário, que este dinheiro tinha pouco proveito, por que ele geralmente interferia de modo a prejudicar a energia dos colonos –, mas foram a eficiência da diligência, a fidelidade ao trabalho, a tenaz perseverança e a parcimônia os responsáveis para tudo quanto os imigrantes alemães – conhecidos como colonos – alcançaram ao longo dos anos e deixam de legado.

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Entrem em sua casinha – de início era apenas uma cabaninha feita de barro e coberta de palha, mais tarde se tornou numa casa de madeira, coberta com telhas Schindel (telhas talhadas em madeira), e finalmente foi transformada numa casa maciça confortavelmente equipada e abastecida.

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Alimentem-se com as refeições nutritivas, com o delicioso leite, com a cerveja ou vinho produzidos na colônia, revigorem-se com a índole aberta e gentil com o qual lhes é oferecida hospitalidade. Mas daí não esqueçam de admirar também as mãos endurecidas pelo trabalho dessas pessoas, dos mais idosos aos mais novos; ouçam as histórias dos idosos, de como eles vieram a se estabelecer aqui com seus poucos pertences nas costas; como tiveram de derrubar a mata para poder semear os primeiros grãos de milho com a enxada, e como eles trabalharam duro por anos, para poderem pagar a pesada dívida da compra (de terras), mas daí puderam viver com mais abastança, fazer reservas e comprar boas terras para seus filhos e assegurar o futuro deles; então vocês poderão se deitar de noite na boa cama alemã, com a consciência de que descansarão sob teto hospitaleiro de pessoas dedicadas ao trabalho.

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Pelo menos foi esta a sensação que mexeu comigo. Eu havia chegado a aquelas terras ainda com um pouco de ceticismo; mas me tornei um devoto, quando visitei São Leopoldo e percorri o Hamburger Berg (morro Hamburgo) e o Schwaben Schneise/ Caminho suábio até a estalagem do velho Prusius, na entrada do Teewald/ bosque do chá e, mais tarde, quando conheci a acolhedora e próspera Santa Cruz.

“Permitam-me detalhar a história de uma colônia inteira”

Difícil, árduo trabalho, principalmente nos anos iniciais tomados de privações, modéstia, perseverança, parcimônia e a consequente prosperidade. Esta é, em poucas palavras, a história individual das famílias alemãs em Santa Cruz, bem como em todas as demais colônias agrícolas do Sul do Brasil, cujas escolhas de localização e administração foram tomadas e controladas com perspicácia por agentes públicos ou privados. Permitam-me detalhar a história de uma colônia inteira, com auxílio de alguns números convincentes – maçantes para alguns de meus leitores. E novamente escolho Santa Cruz para esta finalidade, por nesta colônia ter ao meu dispor material de origem oficial e por contar com o acréscimo ou a correção de informações confiáveis de origem privada.

A iniciativa para a fundação dessa colônia provincial foi o projeto para uma estrada, entre Rio Pardo – uma cidade junto à margem do Rio Jacuí – e a cidade de Cruz Alta, no alto, ao norte da Província. Após uma parte dessa estrada estar aberta em 1849, o governo provincial providenciou a medição de lotes coloniais em ambos os lados desta estrada, chamada de picada “Santa Cruz”, e mais tarde conhecida como “Alte Pikade”, e assim foi aberta a colônia.

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Em 19 de dezembro daquele ano vieram as primeiras 13 pessoas, todas alemãs. No início de 1850 chegaram 59; durante inverno seguinte mais 17 pessoas. Na primavera de 1851 se estabeleceram145 pessoas, entre eles 30 procedentes de São Leopoldo, cujo desejo e a ampliação migratória os levou para o oeste. No ano de 1852, o governo selou um contrato com um alemão, com duração por dois anos, para trazer 2.000 alemães, por meio do qual 250 famílias vieram para a colônia, de modo que em 1854 esta população de 891 almas estava distribuída em 300 lotes coloniais.

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A imigração após 1855 é considerada espontânea; os que se estabeleceram nos dez anos seguintes eram pessoas que já tinham parentes e amigos morando em Santa Cruz. A população, de 891 no ano de 1854, subiu para 2.221 no ano de 1858; subiu para 3.367 no ano de 1862; para 4.794 no ano 1866; para 5.427 no ano 1869; e para 5.809 no ano 1870. E, hoje, num espaço de 1.500 quilômetros quadrados, o município conta com uma população de 18.500 almas, quase exclusivamente de procedência alemã.

A ocupação principal dos moradores é o cultivo da terra, ao qual se dedicam em torno de 16.000 pessoas, cuja maioria usa arado em lugar da enxada de antigamente. Os demais se dedicam a ofícios e ao comércio como sua principal fonte de renda. As condições favoráveis da terra e do clima propiciam, em primeira linha, o cultivo do tabaco. Somente uma pequena parte do que é produzido é consumido localmente; a maior parte é exportada, de acordo com o que me foi dito, para a França.

Paralelamente ao cultivo do tabaco, que é a base para a prosperidade reinante na colônia, cultiva-se ainda milho, feijão, arroz, ervilhas, lentilhas, trigo, centeio, cevada, cana-de-açúcar, batatas, vinho, mandioca etc. Erva-mate, – chamada de Paraguaythee/chá paraguayense, colhida nas florestas; manteiga, banha, mel, cera, tudo produzido em grande quantidade, de modo a ultrapassar em muito as necessidades de consumo próprio e, por isso, é igualmente exportado. Em 1857, portanto, oito anos após a abertura da colônia, quando ali viviam somente em torno de 2.000 habitantes, o montante dos valores dessa exportação beirava os 74.000 Marcos (eu calculo o valor do mil-réis brasileiro em cotação instável para 2 Marcos); em 1866, quando viviam um pouco mais do dobro de habitantes, o valor das exportações beirava 360.000 Marcos; em 1870, com 5.800 habitantes, o valor das exportações alcançava em torno de 800.000 Marcos; em 1886, o montante de 1.300.000 Marcos, numa produção total que é especificada em quase dois e meio milhões de marcos.

Na minha avaliação, acredito que posso presumir que estes números fornecem a mais clara comprovação de que aqueles imigrantes, chegados sem recursos, progrediram. Mais do que isso: esses números comprovam igualmente que aqueles agricultores alcançaram muito mais do que poderiam ter conseguido alcançar aqui na velha Alemanha. Longe de mim querer revelar estes dados para convencer pessoas a emigrar; aqui eu tenho tão somente o dever de fornecer verdade e fatos.

Preciso apresentar mais alguns números para os meus leitores, a quem deve especialmente interessar tomar conhecimento, sobre como a velha Heimat, Alemanha, é tocada por estes bons resultados de seus filhos em terra desconhecida. Para clarear isto, eu menciono a importação de mercadorias da Alemanha, realizadas por aquela colônia (Santa Cruz). Para o ano de 1859 eu encontro mencionada a importação de produtos industriais no valor de 108.000 Marcos; em 1866, as importações sobem para 330.000 Marcos; em 1870, para 540.000 Marcos; em 1886 subiram para 1.000.000 Marcos!

Na Província do Rio Grande do Sul, a importação de produtos industrializados provém principalmente da Alemanha, da Inglaterra, da França, da Bélgica e dos Estados Unidos. De acordo com dados dos relatos consulares, a Alemanha está em posição número um como fornecedora de dois terços do montante das importações. Desse total, as mencionadas importações de um milhão feitas por Santa Cruz representariam 660.000 Marcos. E eu não encontrarei contestação se considero que, se aqueles colonos tivessem permanecido na Alemanha, eles não teriam tido a possibilidade de contribuir na mesma medida para a atividade profissional alemã. E este é o lado de apego pela pátria alemã que contribui para o fortalecimento de nossa prosperidade e, consequentemente, se expressa no contínuo crescimento da prosperidade daqueles agricultores.

Podemos nos orgulhar por aqueles irmãos que vivem naqueles povoados do Brasil também por continuarem cultivando a língua, usos e costumes da velha pátria. Em cidades maiores, nos quais o comerciante alemão, o fabricante ou artesãos têm necessidade de contato com brasileiros, e deles depende, se encontra quem se alienou menos ou mais de sua germanidade. Isto ainda não se percebe nas colônias, onde os agricultores alemães praticamente convivem entre si.

Santa Cruz é alemã de ponta a ponta, dos carroceiros que encontram o viajante a caminho da estação de trem Couto, com os seus magníficos cavalos à frente da carroça carregada de tabaco, encorajando-os com um original “Hott!” e “Hü!”, até nos clubes, da cidadezinha, a maçonaria, as 33 escolas, as 11 igrejas, e mesmo dentro da câmara municipal, cujos vereadores, com exceção de um, são todos alemães. Em minha permanência por oito dias em Santa Cruz, com exceção de um encontro com um brasileiro, eu somente ouvi a minha língua materna, tanto nas viagens pelas picadas quanto na cidadezinha, nos mais diferentes círculos que frequentei.

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