Há poucos dias, enquanto me despedia de uma entrevistada, ouvi “eu sinto saudade de mim, sabe?”. Ela me contava, em tom de lamento, do alto de seus mais de 90 anos, o quanto a velhice lhe era difícil. Senti que as palavras dela continham não só o peso do transcorrer do tempo, mas a dor das tantas despedidas feitas. Muito além da juventude, do vigor ou da disposição, ela perdera boa parte daqueles com os quais conviveu. A sensação de “estar sozinha”, embora reconhecendo todo o amor recebido dos filhos e netos, foi dividida comigo quase que em tom de sentença.
Eu logo tratei de lembrá-la que “só não envelhecem aqueles que morrem jovens”. Algo tão óbvio, eu sei, e até redundante, mas que a maioria das pessoas não se dá conta. Ela concordou, acenando com a cabeça, e eu prossegui dizendo que “assim como viemos, partimos sozinhos” e que “no decorrer desse tempo, vamos apenas agregando pessoas à nossa caminhada”.
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A resposta dela foi “é verdade, eu nunca tinha pensado nisso”. Sorri pra ela, dizendo “viu, só?”. Mas antes de a nossa conversa terminar, ela quis argumentar as dificuldades que vinha enfrentando pelo processo de envelhecimento, como a diminuição da visão, da audição e da memória. Ela, mais que depressa, resumiu a “tudo fica ruim”.
Não conformada com a resposta, quis saber o que ela realmente considerava ruim. Então, exclamou “Ah, a gente só lembra daquilo que foi bom e daquilo que foi ruim”. Olhei pra ela, tentando encontrar uma resposta, mas só conseguia repetir mentalmente pra mim mesma “aquilo que foi bom” e “aquilo que foi ruim”.
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É como se esses dois extremos representassem a balança da vida daquela mulher de olhinhos miúdos, de riso fácil e rosto marcado pelas linhas de expressão. Só pude me despedir desejando que ela se visse alegre por ter chegado aos 95 anos, com lucidez e condições de se locomover, e que seguisse com vontade de viver.
De volta à minha realidade e à correria insana contra o tempo, voltei à redação para organizar outras tantas entrevistas. Ainda assim, me peguei pensando naquilo que tinha ouvido, talvez na tentativa de compreender as razões pelas quais “a gente só lembra daquilo que foi bom e daquilo que foi ruim”. Fiquei pensando no quanto impactamos nossas vidas com as extremidades.
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Ou tudo é (muito) ruim, ou tudo é (muito) bom. São realmente essas polaridades que importam e permanecem atemporais? Por que valorizamos tanto o extremamente positivo e o extremamente negativo? Me incomoda a ideia de não se valorizar os dias simples, os dias repetitivos, já que neles a vida também acontece.
Entendo que nos “dias comuns”, nem sempre marcados pelo extraordinário, podemos construir os nossos resultados e perceber nossos progressos. E isso sempre vai partir da percepção que temos do “aqui e agora”. Lembro, nesse sentido, de uma fala do jornalista e apresentador Pedro Bial, em que ele diz que “a vida é o que acontece enquanto a gente espera o momento de viver. E ela acontece a toda hora, no dia a dia, no encanto da rotina. É só a gente enxergar beleza nas coisas mais simples e corriqueiras”. Por fim, ele ainda reforça: “Não espere a hora de viver. Ela já chegou. É agora”.
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Ao fazer esse exercício, aproveite para se perguntar, por exemplo, se realmente foi um dia ruim ou se foram alguns minutos remoídos o dia inteiro. Então, se olhar para o passado, agradeça. Se olhar para o futuro, confie. Mas, sobretudo, não deixe de aproveitar a magia do agora para poder se lembrar, quando a velhice chegar, do quanto os dias comuns foram inéditos, enriquecidos de si mesmo e preenchidos de humanidade. Talvez esse seja um bom balanço para todas as fases da vida, em especial aquela na qual as lembranças serão nossa principal companhia.
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