Reencontrei Tio Vânia depois de muito tempo. Desta vez ele não estava nas páginas de um livro, mas na tela. Deparei-me no YouTube com Tio Vânia em Nova York, filme de 1994 que recria a famosa peça de Anton Tchekhov. Atores americanos reencenam a história – originalmente ambientada na Rússia czarista – no que parece ser o ensaio geral para uma apresentação.
Fiquei curioso para saber se Vânia ainda teria algo a me contar, após tantos anos. Aquele homem à beira dos 50 anos que se sente frustrado por não realizar nenhum grande projeto que imaginou. Ele acreditava com energia que poderia ter sido um artista notável, um Dostoiévski ou um Schopenhauer, mas a vida, as circunstâncias mantiveram-no na propriedade rural onde vive. Nunca foi mais do que coadjuvante em aventuras de outros heróis. Por isso tornou-se amargo e uma companhia pouco agradável.
Tio Vânia em Nova York é teatro filmado, mas preserva a riqueza do texto concebido em 1896. Algumas passagens poderiam ter sido escritas hoje, como as reflexões do médico Astrov (amigo de Vânia) sobre a destruição da natureza. “As florestas tremem debaixo do machado, destroem-se milhões de árvores, devastam-se os ambientes de animais e pássaros, os rios baixam e secam, desaparecem irremediavelmente paisagens maravilhosas.”
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Astrov lamenta o caráter do ser humano, sempre empenhado em extinguir o que não consegue criar. Um traço destrutivo que parece marcar a paisagem interna dos personagens. Vânia se enxerga como fracassado, mas a responsabilidade por isso é dos outros, não dele. Os culpados têm nome, sobrenome e endereço. E alguém vai pagar.
Mas não é melhor fazer as pazes com o passado, fechar a porta? Pensei nisso no segundo reencontro com Vânia. Outra vez na tela, mas de forma inesperada. Eu não sabia que o japonês Drive My Car, vencedor do Oscar de Filme Internacional em 2022, dialogava tanto com o texto de Tchekhov. Três horas de uma história sobre perdas afetivas e recomeços. No fim, a mesma fala que encerra a peça de 1896, agora reproduzida por uma atriz surda na linguagem de sinais. Sônia, a sobrinha de Vânia: “Nos alegraremos e até olharemos para nossas atuais desgraças com um sorriso – e descansaremos.”
Reencontrei Tio Vânia. E sua voz, em idiomas cada vez mais diversos, nunca pareceu tão forte.
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