Rádios ao vivo

Leia a Gazeta Digital

Publicidade

LUÍS FERNANDO FERREIRA

Objetos sólidos

Ele se interessa por inutilidades. Um pedaço de vidro esmeralda abandonado na praia, aos seus olhos, transforma-se quase em pedra preciosa. Um fragmento de porcelana em formato incomum assume o aspecto de estrela-do-mar. Um ferro retorcido? Tudo indica que tem procedência alienígena, talvez resquício de algum meteorito.

Ele recolhe esses rejeitos e leva-os para casa, onde faz questão de encontrar-lhes alguma destinação, seja como peso de papel na mesa do escritório ou decoração na lareira. Com o passar do tempo, porém, não se preocupa mais em imaginar alguma função ou serventia. Agora ele se tornou um colecionador e acumulador obsessivo de objetos estranhos e inúteis – lixo para os outros que não compartilham de sua fascinação, inclusive amigos próximos. Nada mais lhe importa, nem mesmo a carreira na política partidária, que ele simplesmente abandona.

LEIA TAMBÉM: A cultura do obsoleto

Publicidade

É como se John, o protagonista de Objetos sólidos, conto de Virginia Woolf publicado originalmente em 1920, tivesse regressado à infância. Afinal, são as crianças que têm essa capacidade de revestir de magia as coisas mais prosaicas. A narrativa poderia ser vista como a desventura desse homem, que abandona o trabalho no parlamento para se tornar um extravagante catador de insignificâncias. Uma anomalia.
John dá as costas às “coisas importantes”, os grandes projetos políticos e sociais, e decide viver em função do que há de mais irrelevante. Essa escolha irá afastá-lo do convívio social e de tudo que fazia parte de sua vida anterior.

Ou o conto poderia ser interpretado de modo mais favorável ao personagem. Quando prestou atenção no primeiro “objeto sólido” – um pedaço de vidro verde em meio à areia –, ele teve uma epifania, revelação quase mística que o fez compreender uma verdade essencial.

LEIA TAMBÉM: O que os Jogos representam

Publicidade

Não deve ser casual que, ainda no início, John solte em desabafo a frase: “Que se dane a política!” Ele já estava predisposto. Talvez cansado dos discursos para consumo externo, da constante disputa de egos mascarada por nobres ideais, do bem comum posto a serviço do interesse próprio. E talvez sem ânimo de lutar para mudar. Condená-lo? Porque a arena pública, para ele, tornou-se uma abstração vaga e sem solidez? Cada um fique com o John que preferir.

LEIA MAIS TEXTOS DE LUÍS FERNANDO FERREIRA

Chegou a newsletter do Gaz! 🤩 Tudo que você precisa saber direto no seu e-mail. Conteúdo exclusivo e confiável sobre Santa Cruz e região. É gratuito. Inscreva-se agora no link » cutt.ly/newsletter-do-Gaz 💙

Publicidade

Aviso de cookies

Nós utilizamos cookies e outras tecnologias semelhantes para melhorar sua experiência em nossos serviços, personalizar publicidade e recomendar conteúdos de seu interesse. Para saber mais, consulte a nossa Política de Privacidade.